Entenda como a Gen Z vem transformando seu relacionamento com o trabalho, propósito, produtividade tóxica e o que os diferenciam das gerações anteriores
Por Giovana Venceslau, Giovana Mileo, Isabela Pereira, Julia Araujo, Luiza Watanabe e Sophia Foster
Nas últimas décadas, o mundo do trabalho passou por transformações significativas. Da revolução digital ao advento do home office, da quebra de paradigmas sobre jornada e produtividade ao surgimento de novas profissões. Em meio a esse cenário, uma nova geração começa a assumir posições de destaque no mercado: a Geração Z.
Ela demonstra não apenas criatividade, inovação e otimismo, mas também pragmatismo e realismo. Desde as expectativas na fase de contratação até o dia a dia do trabalho na prática, a Gen Z demonstra preocupações diferentes das observadas em décadas passadas e, agora, as empresas começam a entender como lidar com essa nova força de trabalho. A Agenzia recrutou especialistas para decifrar o futuro do mercado de trabalho e indicar caminhos que promovam pertencimento e acolhimento entre os novos profissionais
Gen Z no ambiente de trabalho
O primeiro contato dos jovens com uma nova empresa acontece no Departamento de Recursos Humanos, a porta de entrada de um novo emprego. São esses os profissionais que vão entrevistar aqueles que procuram trabalhar para avaliar se eles têm o perfil procurado. Michelle Rubeis, gerente de Desenvolvimento Humano com mais de duas décadas de experiência, classifica a nova força de trabalho como imediatista “Não têm paciência, querem tudo pra ontem” e observa nela um anseio por crescimento rápido dentro da empresa. “Existe uma carreira, não é só a questão de ter uma boa formação, não é só isso, porque você tem que ter maturidade.”
Simone Giroto, head de Remuneração da empresa Novo Nordisk, reforça essa visão e observa que os jovens demonstram grande interesse em crescer rapidamente na carreira. Este comportamento fica evidente nas perguntas frequentes sobre planos de carreira e oportunidades de desenvolvimento. Quando não identificam oportunidades de avanço, tendem a buscar novas empresas que atendam melhor às suas expectativas.
Esse senso de urgência é também um dos motivos apontados para a rotatividade crescente entre os jovens funcionários. Para Diana Saruê, coordenadora de Recursos Humanos da Escola Beit Yaacov, falta resiliência por parte dos novos profissionais para lidarem com as dificuldades do dia a dia do trabalho e que, não raras vezes, rapidamente pedem demissão quando se deparam com algum empecilho.
Essa postura, segundo Michelle, reflete um certo vazio em relação aos planos de longo prazo. “Antigamente, era comum ouvir: ‘o que você quer ser quando crescer?’”. Hoje, muitos não têm essa resposta. É uma geração que ainda não definiu suas prioridades ou está incerta sobre o que deseja.
Da hierarquia à colaboração
Para além de suas experiências individuais, os jovens têm causado impacto a tal ponto que abalaram até mesmo aqueles que já trabalhavam antes deles. Michelle afirma notar uma certa irritação dos profissionais mais experientes ao verem os comportamentos dos mais novos. Diana reforça esse ponto, destacando que sente “um comportamento mais informal dessa geração” e que eles tratam o ambiente de trabalho, muitas vezes, como lazer. Observamos isso na forma como os jovens se comportam, lidam com os desafios e interagem com colegas e superiores dentro da instituição.
Embora muitas vezes seja confundida com descompromisso, a informalidade da Gen Z no ambiente de trabalho evidencia, por outro lado, uma transformação profunda na maneira de se relacionar com o mundo profissional. O que está em jogo, portanto, não é a ausência de responsabilidade, mas uma nova lógica, moldada por um cenário de instabilidade, rapidez e hiperconectividade digital. Crescidos em meio à era da informação, os jovens da GenZ desenvolveram uma visão mais fluida do trabalho, com menos rigidez hierárquica e maior valorização da colaboração, da transparência e da comunicação aberta. Tais perspectivas, juntamente com as transformações de mentalidade e comportamento, revelam-se, sobretudo, nas novas prioridades definidas pelos jovens ao entrarem no mercado de trabalho — o que evidencia, por sua vez, que seus objetivos vão muito além da remuneração ou da segurança profissional.
Propósito em primeiro lugar: o que tem movido a Gen Z
Diferentemente de seus antecessores, que priorizavam estabilidade e longas carreiras dentro de uma mesma empresa, os GenZ buscam dinâmicas mais horizontais. Procuram se expressar, fazer parte das decisões e entender o sentido do que estão construindo. Para eles, o trabalho precisa ter propósito. Não basta um bom salário ou um cargo de prestígio. Mais do que isso, eles querem fazer parte de algo maior, sentir que suas ideias são ouvidas e que estão contribuindo, de maneira concreta, para um projeto com impacto real.
Esse comportamento, que pode ser visto como instável por alguns, também carrega um poderoso sinal de autenticidade e coragem. Em vez de se prenderem a modelos ultrapassados ou permanecerem em ambientes tóxicos, eles preferem seguir em busca de algo que faça sentido para si. Para que isso seja possível, é necessário não apenas autoconhecimento, mas também coragem e ousadia para romper com padrões estabelecidos.
As reais prioridades da Gen Z
Atrelado a isso, um aspecto facilmente notável nessa geração é a priorização da saúde mental e da qualidade de vida em detrimento de uma rotina de trabalho exaustiva. Com isso, acabam por procurar empregos que ofereçam uma rotina mais flexível, na qual possam encaixar momentos para cuidarem de si próprios.
A falta de flexibilidade, somada à impossibilidade de trabalhar de home office, é, inclusive, um dos principais motivos que levam os jovens a pedir demissão. O que, para empresas tradicionais, representa um desafio e uma necessidade de adaptação para tornarem-se atrativas. O próprio ambiente de trabalho convencional já não agrada a nova geração, que prefere espaços mais lúdicos e estimulantes. Para alguns, esse fator, muitas vezes, é tido como fundamental para a escolha de um emprego.
Por terem sido criados em um mundo mais diverso, a busca por empresas que atuem em questões coletivas e sejam a favor da diversidade aumentou. Nesse contexto, muitos jovens optam, inclusive, por não aceitar vagas em empresas que não adotam posturas claras em relação a causas sociais relevantes. “Se o candidato for muito ativista na parte de responsabilidade social e a empresa não tem nada, ele não vai trabalhar nessa instituição, pode pagar o salário que for. Ele não vai porque não conversa com os valores dele”, finaliza Michelle.
Diante desse cenário, as empresas enfrentam um novo desafio: continuar operando em modelos tradicionais, baseados em hierarquia e controle, ou se reinventar para acolher o que essa geração tem de mais potente. Quando bem orientados e inseridos em ambientes que estimulem seu crescimento, esses jovens têm tudo para se tornarem líderes transformadores e revolucionários.
Formação além do currículo
Essa nova postura dos jovens no mercado não nasce do nada. Ela é reflexo de um processo de formação que começa muito antes do primeiro emprego. Cada vez mais, esse percurso chama a atenção de professores e profissionais da educação. Nesse contexto, cabe perguntar: como as escolas e instituições têm preparado essa geração para enfrentar os desafios e exigências do mundo do trabalho contemporâneo?
Um exemplo de planejamento são as aulas de Projeto de Vida que, desde a implementação do novo ensino médio, proporcionam aos alunos momentos de reflexão estruturada sobre seus interesses, valores, habilidades e aspirações, promovendo o autoconhecimento e a construção de metas pessoais e profissionais. Com isso, os jovens conseguem estabelecer um plano de ação para o futuro, unindo seus sonhos a possibilidades concretas de carreira e formação. É isso que fará os jovens manterem-se motivados no longo prazo.
Por um lado, os alunos da Geração Z demonstram um interesse significativo pelo mercado de trabalho; por outro, apresentam expectativas distintas das gerações anteriores. Além disso, conforme aponta o IBGE (Pnad Contínua, 2023), 63% dos jovens entre 15 e 29 anos estão preocupados não apenas em encontrar um emprego, mas também em alinhar realização pessoal e propósito. A professora de Projeto Vida, do colégio Mackenzie, em Higienópolis, Michelle Razuck, destaca que esses dados revelam uma busca constante por realizarem funções que façam sentido para eles. Contudo, essa busca por propósito e realização também carrega uma série de pressões. A professora aponta que o desejo de fazer a diferença e alcançar o sucesso rapidamente está frequentemente ligado a altos níveis de ansiedade. As redes sociais, a comparação constante e a instabilidade econômica contribuem para um sentimento de urgência, que pode gerar frustração e medo de não “dar certo”.

Por Marina Fernandes Pereira
O que fazer?
Dessa forma, fica claro que trabalhar com a Gen Z demanda não só compreensão, mas também mudanças nas práticas pedagógicas e institucionais. Os desafios são muitos, desde a ansiedade crescente até a baixa tolerância à frustração e a necessidade constante de respostas imediatas. Esse novo perfil comportamental, moldado por um mundo acelerado e digital, não se limita apenas aos espaços escolares. Ele transborda para o mercado de trabalho, provocando uma quebra de paradigmas nas relações profissionais. É nesse cenário que psicólogos e especialistas em comportamento começam a observar transformações profundas na forma como os jovens lidam com suas expectativas e limites no ambiente corporativo.
As novas mentes do mercado com um olhar psicológico
A psicóloga de crianças e adolescentes Daniela Schwartz observa que, historicamente, os profissionais buscavam intensamente o sucesso na carreira. Isso os levava a aceitar qualquer tipo de acordo profissional, muitas vezes em condições difíceis ou desfavoráveis. Essa busca constante gerou uma espécie de “hiper resiliência” no ambiente de trabalho, onde aguentar situações adversas era visto como necessário para alcançar o reconhecimento.
Já a Gen Z foi criada com a ideia de que o maior valor é a felicidade. Esse novo comportamento, por mais desafiador que pareça aos olhos do mercado tradicional, revela aspectos positivos do desenvolvimento cognitivo e emocional. Jovens com clareza sobre seus objetivos apresentam alta capacidade de adaptação, pensamento crítico e uma forte disposição para aprender. Por isso, quando inseridos em ambientes que respeitam seus valores, tendem a se destacar não apenas pela produtividade, mas também pela sensibilidade e criatividade no enfrentamento de problemas complexos.
Há ainda um fator determinante em relação à construção da visão de sucesso entre os nativos da Gen Z: as redes sociais. A psicóloga Daniela comenta que muitos jovens enxergam os influenciadores digitais como exemplos de conquistas fáceis e rápidas, o que reforça a ideia de que o sucesso pode (ou deve) ser instantâneo e sem grandes esforços. Esse pensamento, somado aos estímulos curtos e constantes, como os vídeos rápidos das redes sociais, tem afetado a capacidade de concentração e a forma como essa geração lida com as situações do dia a dia – de maneira mais imediatista e impaciente.
A pressão silenciosa causada pela comparação constante com a suposta “vida perfeita” dos influenciadores e reforçada por algoritmos que priorizam conteúdos de alto impacto visual e emocional, contribui para uma percepção distorcida da realidade: o sucesso parece fácil, rápido e acessível a todos — menos a eles.
Impactos no ambiente corporativo
No contexto profissional, essa visão idealizada gera um desafio concreto: a dificuldade de lidar com críticas, cobranças e processos mais longos. Muitos jovens demonstram receio de desagradar e baixa tolerância a frustrações, o que acende um alerta entre gestores e líderes. Há uma crescente insegurança nas empresas sobre como dar feedbacks sem comprometer a motivação dos trabalhadores. É nesse momento que o ambiente corporativo se vê diante da necessidade de repensar suas estratégias de comunicação, acolhimento e desenvolvimento para dialogar de forma mais eficaz com as novas gerações.
Longe de representar apenas uma fragilidade, esse comportamento também revela uma transformação importante na forma como os jovens enxergam o trabalho. E é justamente isso que a psicóloga Daniela Schwartz argumenta: a Gen Z está trazendo um novo e necessário olhar para o ambiente profissional, ao propor uma integração mais profunda entre carreira, bem-estar e saúde emocional. Para ela, essa mudança é positiva e urgente, especialmente em um contexto em que há uma epidemia de problemas de saúde mental. Aqueles que conseguem equilibrar esses aspectos tendem a se destacar no mercado, oferecendo um olhar crítico e uma grande vontade de crescer.
A psicóloga reforça que a Gen Z traz um convite à reflexão: o que foi visto nas gerações anteriores que motivou esse novo comportamento? O que precisa ser revisto na forma como nos relacionamos com o trabalho? Ao fazer essas perguntas, ela aponta que os mais jovens podem estar ajudando a construir uma relação mais saudável, humana e sustentável com o mundo profissional para todas as idades.
Excelente texto , esclarecedor, autêntico e necessário para o entendimento do novo mercado de trabalho.
Parabéns a toda a equipe.