sexta-feira

6-junho-2025 Ano 1

CBF: Impactos administrativos dentro e fora de campo

Como a má administração da CBF acarretou na crise na seleção atualmente presenciada, e como resolver tal situação 

Por Bruno Hilgemann, Pedro Marin, Alexandre Magnavita, Eduardo Lapenda e Rafael Figuero

A doída derrota por 4×1 da Seleção brasileira contra a Argentina, no último dia 25 de março, deixou o torcedor com um gosto amargo. Já são quase 6 anos sem que o Brasil vença a sua maior rival no campo (o último triunfo foi na semifinal da Conmebol Copa América de 2019). Diante do péssimo retrospecto, todos se perguntam: como a Seleção pode ter se apequenado tanto, a ponto de não conseguir vencer sua maior rival por tanto tempo?  

Analistas ouvidos pela reportagem da Agenzia concordam em dois pontos: faltou, e falta, comprometimento das comissões técnicas que passaram pelo comando da Seleção e seriedade nos cartolas que comandam o nosso futebol. 

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), como um todo, passou por mudanças drásticas. Ednaldo Rodrigues, até então presidente da entidade, foi afastado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e seu sucessor já foi nomeado, Samir de Araújo Xaud. E a escolha do novo treinador também já foi anunciada. O italiano Carlo Ancelotti estará no comando do elenco na reta final das Eliminatórias e seguirá durante a Copa do Mundo de 2026. 

É muito importante (a chegada de Ancelotti à Seleção Brasileira). É uma virada de página para o futebol brasileiro, para a CBF. A gente acredita que com a chegada dele, esse trabalho possa se concretizar, a Seleção volte ao caminho das vitórias, é o que a gente espera, e ele terá total apoio para isso. A gente acredita muito nele, disse Samir Xaud na apresentação do novo técnico.

Argentina x Brasil pela Eliminatória Sul-Americana 2026 no estádio Monumental de Nuñez, na cidade de Buenos Aires, no dia 25 de março.
Foto: Rafael Ribeiro/ CBF 

Por que da fase atual da Seleção? 

A CBF já demonstrava instabilidades há tempos e isso não é uma surpresa. De acordo com Dayana Natale, repórter e apresentadora da Cazé TV, “o Brasil possui jogadores de excelentes capacidades, mas o que os impede é a falta de efetividade que vem de um problema da comissão técnica que não consegue extrair o melhor dos jogadores”.  

Quando o treinador Tite declarou que sairia após a Copa de 2022, as crises estouraram uma atrás da outra. Fernando Diniz assumiria, dividindo função com o Fluminense, o que incomodou Dayana. “Não existe um técnico que divide funções entre clube e seleção nacional, isso não é possível, ainda mais num estilo de jogo tão diferente que é o do Fernando Diniz. E o Dorival [Júnior, que assumiu a Seleção após Diniz] (veio) como um ‘tudo ou nada’ que deu muito errado. Após o jogo com a Argentina, deu para se notar que a gestão não estava funcionando”, disse a jornalista.  

O desempenho da seleção nas últimas duas Copas do Mundo com Tite como técnico talvez não tenha sido o que as pessoas esperavam. Mas houve uma progressão, seja nas eliminatórias e até mesmo nos torneios. “Um ano e meio de trabalho até a Copa do Mundo é quase um ‘tudo ou nada’ pra não fazer feio. Sendo necessário um técnico que consiga ter tempo de preparação, de entender os jogadores que você tem e lidar com o ego de tantas estrelas”, concluiu a repórter.

Para Ronaldo Luiz de Jesus, técnico e coordenador técnico, a crise da Seleção é vista muitas vezes como um reflexo da perda de identidade, que foi construída por gerações passadas. “Alguns aspectos precisam ser destacados, como a falta de comprometimento e personalidade dos jogadores, que não demonstram a intensidade e o espírito de equipe necessários para representar a Seleção brasileira”, afirmou o técnico.

Dorival Junior durante a goleada da Argentina contra o Brasil.
Foto: Rafael Ribeiro/CBF

Crise técnica e administrativa na CBF 

Segundo o jornalista esportivo da Rádio Nova Difusora FM, de Osasco, Francisco Rossi Junior, “a Seleção enfrenta uma crise administrativa há tempos, desde a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Logo, o desempenho em campo é totalmente afetado”.  

Alexandre Silvestre, repórter e comentarista do site Gazeta Esportiva e da TV Gazeta, compreende que o excesso de informações dada pelos técnicos “estrangula” a liberdade de criação dos jogadores: “Você vai marcar fulano de tal, esse cara costuma driblar 300 vezes para o lado esquerdo, 190 para o lado direito, quando ele passa no meio do campo ele faz tal jogada. Mais vezes do que a outra jogada. Eu acho que o jogador brasileiro tem que se preparar para esse novo momento. Sim, tem que se preparar. Mas ao mesmo tempo é tanta informação que deixa o cara estressado e tira dele a intuição de jogar futebol”, disse o jornalista. 

Rossi Junior destacou ainda que após a saída do técnico Tite – atualmente em pausa na carreira – a seleção do país do futebol teve outros três técnicos: Ramon Menezes, Fernando Diniz e Dorival Junior. “O que estes técnicos constataram, era que os jogadores tiveram e têm um bom desempenho em campo, no quesito individual. Ao jogarem em equipe, mostram que têm um desmazelo, o que atrapalha até mesmo o seu desempenho em seus clubes.” 

Silvestre finaliza com a ideia de que o futebol brasileiro não podia ter abandonado o que ele considera como “a intuição de jogar bola.” Ele defende um trabalho de base que vise estimular o estilo de jogo “brazuca”: “O drible, a leveza, a velocidade, a malandragem (no bom sentido), que são características culturais do nosso povo. É levar o futebol de rua do terrão para os gramados hoje, como sempre foi. Então, é estimular a essência do futebol brasileiro. Que está lá, lá no dente de leite, no sub-9, no moleque que joga a bola descalço na rua, que joga no terrão. O problema para mim é a essência, está lá no jogador.” 

Como a CBF pode reverter a situação atual

Por mais que a Seleção tenha chegado a tamanha situação, ainda há a possibilidade de controlar os danos já constatados, ou até mesmo consertá-los. Tiago Salazar, jornalista e redator de A Gazeta Esportiva e da TV Gazeta, analisa que a CBF realizou muitas ações erradas nos últimos anos “A dificuldade que o Brasil sempre teve, por exemplo, de conseguir fazer amistosos com clubes europeus, isso são decisões da CBF que vende muitas vezes o direito desses amistosos e locais desses amistosos para outras empresas baseadas só em recursos financeiros e não na questão desportiva.” 

Outro fator de extrema importância que Ronaldo Luiz expressou: “A CBF deve se concentrar exclusivamente nas questões administrativas, judiciais e sociais da seleção, deixando as decisões táticas e técnicas para o técnico e sua comissão.” 

A contratação do treinador italiano Carlo Ancelotti é vista como um alívio para quem acompanha a Seleção. “Taticamente seria interessante montar uma comissão técnica composta por ex-atletas e ídolos do futebol brasileiro, cada um com um foco em um setor específico”. complementou Ronaldo Luiz.  

“A gente acaba também criando aquela ilusão de como seria com o Neymar, mesmo sabendo que o Neymar fisicamente não produz mais aquilo que um dia produziu. Sem ele, é preciso ter um coletivo forte. E isso só se adquire com um trabalho mais longevo, com um trabalho mais sólido. E até agora a CBF não conseguiu oferecer isso aos jogadores brasileiros e nem aos torcedores”, disse Marcelo Baseggio, repórter esportivo da TV Gazeta. 

Rossi afirma que “os técnicos precisam de uma bagagem, as seleções precisam ser comandadas por técnicos atualizados, o que direciona o rumo do elenco quando consideramos o modo de pensar e de agir à frente da seleção, se inspirando nas seleções estrangeira como a da Argentina, Espanha e França, talvez hoje as mais fortes do mundo”, declarou o jornalista esportivo. 

Ancelotti na apresentação de sua primeira convocação como treinador da Seleção Brasileira.
Foto: Rafael Ribeiro/CBF

No aspecto pessoal, o jogador brasileiro é uma pessoa fácil de lidar. Eles são tranquilos e muito humildes, na maioria. Treinei 34 e não lembro de ter tido problema com nenhum… Tive com um, mas não vou dizer quem…, disse Ancelotti 

Como se justifica a cobrança do torcedor

De acordo com Gomão Ribeiro, jornalista esportivo, radialista e locutor das Olimpíadas de Londres, um dos pontos fortes da Seleção é muito além do campo.  “Você terá muito mais brasileiros na Inglaterra, do que qualquer outra nacionalidade. Você terá muito mais brasileiros na Espanha, do que qualquer outra nacionalidade que não seja espanhola, obviamente.” ressalta o jornalista. A CBF e a seleção estão em crise – uma crise momentânea, segundo Ribeiro – e quem tem que resolver tal problema são as pessoas que “colocam a mão na massa” e que estão no dia a dia do futebol, tais como treinadores, preparadores físicos, analistas de desempenho e os próprios atletas. “Essas figuras precisam encontrar um caminho para que possam evoluir, para que possam, se for o caso, resgatar o futebol brasileiro”, diz ele.  

Ronaldo Luiz de Jesus ressaltou que a imagem da seleção está muito atrelada às gerações históricas, mesmo o futebol mundial tendo evoluído taticamente e tecnicamente, o que cria uma pressão pelo legado vitorioso das gerações passadas, já que o Brasil sempre foi considerado referência no cenário mundial, e que hoje pode ser até considerado sem expectativas pelo próprio torcedor brasileiro. 

Desde 1950, a Seleção Brasileira enfrentou dois de seus maiores jejuns sem títulos, ambos com 24 anos de duração: o primeiro de 1970 a 1994, e o segundo, que se estende de 2002 até a próxima Copa do Mundo em 2026. 

O esporte mudou muito, alterando a relação entre jogadores e torcedores. O protagonismo se transferiu dos clubes sul-americanos e europeus para se concentrar quase que apenas na Europa, impulsionado pelo vasto poder econômico de suas instituições. É por isso que jovens talentos, como Endrick, Estêvão e Vitor Roque, são levados para lá ainda muito cedo. 

Do ponto de vista estratégico, o principal desafio é a desconexão entre o presente e o passado. A imagem da seleção ainda está muito atrelada às gerações históricas, mas o futebol mundial evoluiu tática e fisicamente. Há uma crescente interferência da gestão administrativa, que por vezes prejudica decisões técnicas e o desenvolvimento de um projeto sólido de longo prazo. “O peso da camisa da Seleção ainda impõe respeito”, disse o preparador físico.

Carlo Ancelotti olha para a taça da Copa do Mundo 
Créditos: Rafael Ribeiro/CBF

B10

4 thoughts on “CBF: Impactos administrativos dentro e fora de campo

  1. Ficou ótimo a matéria parabéns a toda equipe difícil pessoas hj que se dedicam assim parabéns.

  2. PARABÉNS! A matéria ficou excelente, dedicação + eficácia = ótimo trabalho ✨️

    1. Muito bacana, gostei da matéria, ficarei na expectativa da próxima.
      Parabéns para a equipe da reportagem.

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