Rachel Low, a primeira mulher engenheira da Stock Car — a categoria mais alta do automobilismo nacional — agora ajuda meninas a persistirem em seus sonhos na área
Por Eduarda Lara, Fábio Santos, Luana Borges, Lorenzo Andrade, Pedro Villares e Pedro Zorzetto

Rachel Low, engenheira da equipe AMattheis da Stock Car e uma das profissionais mais renomadas do mundo do automobilismo brasileiro, começou o curso de engenharia sem ter a menor ideia de qual caminho seguir. Ela imaginava trabalhar em uma plataforma de petróleo. Logo no primeiro ano da faculdade participou de um projeto chamado Baja, que consiste em fazer com que os estudantes projetassem e construíssem um carro de corrida, ela era uma das únicas mulheres na equipe. Foi a partir daquele momento que ela percebeu o que fazia seus olhos brilharem, sua paixão e o que gostaria de fazer pelo resto da vida.
Algo que parecia impossível para a época, mas com um pouco de sorte e esforço, Raquel conseguiu seu primeiro trabalho como engenheira de dados na Stock Car. Durante muitos anos, foi a única mulher na categoria e uma das poucas engenheiras no automobilismo Brasileiro. No começo, acreditou que apenas ela existir era o suficiente, que seria um exemplo a ser seguido. Mas ao longo do tempo, percebeu que era totalmente o contrário: na verdade ela era vista como uma exceção.

Foto de Rachel Low Créditos- Foto: xxxxx/ Acervo de Marina Candido
Foi apenas durante a pandemia, quando começou a ser convidada para palestrar em empresas e equipes universitárias, abordando temas como motivação, o que é ser mulher em ambientes predominantemente masculinos e o papel do pioneirismo que a ficha caiu. Muitas mulheres tinham o desejo de entrar no automobilismo, mas não encontravam oportunidades.
“Hoje eu falo com muito carinho que eu fui a primeira engenheira mulher na Stock Car, mas com vergonha de ainda ser a única.”
Foi então que, em 2022, logo no início da temporada, Rachel decidiu agir. A engenheira passou a entrar em contato com universidades para formar equipes compostas exclusivamente por mulheres e praticamente obrigada-las a trazerem mulheres. Se queriam ir, participar de experiências imersivas para alunos deveriam trazer mulheres. No entanto, o caminho não foi fácil. Rachel enfrentou diversos desafios, como a dificuldade de encontrar mulheres em número suficiente e a resistência de algumas equipes em permitir sua participação. A partir desta dificuldade, começou sua parceria com o “Girls Like Racing”.
Os projetos de imerção no automobilismo
O projeto Girls Like Racing (tradução livre- garotas gostam de correr) começou como uma comunidade na internet que visava criar um ambiente seguro para mulheres que gostam de automobilismo poderem falar sobre o assunto sem serem apedrejadas. As meninas começaram a combinar de ir nos autódromos para se protegerem em ambientes que são majoritariamente masculinos. Sim, protegerem-se de assédios, que ainda são muito comuns nesses ambientes. Isso acabou transformando essas meninas em amigas.
Amanda Oestrich uma influencer digital e jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero, contou um episódio em que viveu. “Ano passado, eu estava com umas amigas minhas no setor H e um cara duas fileiras atrás tirou foto de uma amiga minha que estava do meu lado e colocou de plano de fundo do celular dele. A moça que estava atrás da gente falou ‘o cara lá de trás quer falar com você’. Aí ele pegou o celular e falou assim: ‘Aí nossa, você é muito linda, coloquei de plano no fundo do meu celular’”.
Dentro dessa comunidade em formação, a engenheira encontrou as mulheres que precisava. Nascia a parceria do Girls Like Racing com os Postos Ipiranga, um dos principais patrocinadores da Stock Car. O Ipiranga patrocina a AMattheis, uma das maiores equipes, que está na categoria há mais de 30 anos. A ideia era levar algumas meninas para conhecerem o autódromo e viverem um dia de experiência com o trabalho na prática. Em março de 2022, durante a segunda etapa da Stock Car em Goiânia, duas meninas apareceram. Na penúltima etapa, em outubro e novamente em Goiânia, o projeto já contava com mais de 30 inscritas (o número de selecionadas teve que ser limitado em 30).
O agora chamado de FIA Girls On Track (tradução livre- Federação internacional de automobilismo, garotas na pista) é o nome do projeto de imersão para mulheres no automobilismo criado por Rachel junto da Confederação feminina de automobilismo. Além de levar meninas para experiências imersivas em autódromos, promovem palestras e aulas online gratuitas com o objetivo de inspirar e capacitar mais mulheres a trabalharem com automobilismo. Também promove pequenos estágios para mulheres no Motorsport, o que as mostra como realmente é o dia a dia dentro de uma equipe.

A F1 Academy é um projeto que surge com o objetivo de inserir mais mulheres no automobilismo, com foco na formação de pilotos femininas. Trata-se de uma categoria de base exclusiva para mulheres, disputada com carros de Fórmula 4. Nela estão presentes 6 equipes que também estão na Fórmula 1, diferentemente da Fórmula 1 as equipes disputam com 3 carros cada.
A categoria começou em 2023 sem nenhum tipo de transmissão midiática. Ela só começou a se desenvolver efetivamente quando Susie Wolff assumiu a direção administrativa. No entanto, o principal problema é que a iniciativa para por aí — não há uma continuidade ou incentivo suficiente para que as pilotos avancem para categorias superiores como Fórmula 3, Fórmula 2 e Fórmula 1. Antes da F1 Academy existia um projeto com o mesmo intuito chamado Girls On Track Rising Stars. Teve duração de 3 anos (2020 – 2023). Diferentemente da F1 Academy, que foca em meninas entre 16 e 25 anos, o Girls On Track Rising Stars visava formar meninas entre 12 a 16 anos. E era uma categoria antes da Fórmula 4. Embora seu objetivo fosse fazer com que meninas concorressem na F4, não possuía muita visibilidade exatamente por não ter o nome F1 na frente.
Experiência para a vida
Em 2023, Alice Alves, uma jornalista formada pela UFMG participou da experiência Girls Like Racing by Ipiranga. O evento proporcionou sua primeira vivência direta com o ambiente profissional do automobilismo, ao ter acesso aos bastidores do paddock de Interlagos. Lá, ela pôde entender melhor o funcionamento das corridas e todo o processo envolvido por trás de um grande evento como a Stock Car.
Já em 2024, quando a Stock Car chegou em Belo Horizonte, Alice teve sua primeira experiência profissional cobrindo um evento da categoria, a convite da própria Erika, a criadora do Girls Like Racing. Para ela, um momento muito especial na sua vida, principalmente por representar uma oportunidade verdadeira para outras mulheres de BH que desejam atuar na área, servindo como incentivo e exemplo.
Outra experiência marcante foi a sua participação no evento FIA Girls On Track, onde foi selecionada para vivenciar os bastidores da Fórmula 1. Alice ressalta o impacto de estar dentro de um paddock da F1, o contato direto com grandes pilotos e, principalmente, a palestra de Susie Wolff, que ela disse que foi gratificante e essencial para sua realização pessoal.

Para ela, o ponto alto de todas essas experiências foi sua participação na Stock Car em 2024, onde teve a chance de ajudar outras meninas durante o processo de imersão. Esse momento, segundo Alice, foi extremamente gratificante.
“Eu já tinha sido ajudada, eu só estava retribuindo o que fizeram por mim”, lembra. “Eu sabia que o dia seria super cansativo, mas, por mais exausta que eu estivesse, olhar para o rosto delas, vê-las felizes daquele jeito e saber que eu já havia sido feliz assim – e seria de novo – me fazia sentir que, naquele momento, eu as estava ajudando a realizar um sonho.”
Mulheres na mídia
A falta de mulheres no mundo do Motorsport vai muito além da parte de dentro do paddock. As mulheres são desrespeitadas e descredibilizadas em tudo que envolve automobilismo, inclusive na internet. Amanda Oestrich e Malu Koerich, duas influenciadoras digitais que falam sobre o assunto, contam que são frequentemente questionadas e tem sua credibilidade colocada à prova mesmo quando estão certas. “Uma coisa que sempre acontece é comentarem em vídeos meus e no das minhas amigas marcando algum homem e perguntando: ‘é verdade isso?’. Querendo ou não, questionando e colocando nossa credibilidade em jogo”, diz Malu.
Porém quando homens passam informações errôneas, as pessoas costumam acreditar sem nem questionar de onde veio aquela informação. Amanda contou relato que presenciou nas redes sobre um homem que publicou uma informação errada e não foi corrigido:
“Vi um vídeo sobre uma equipe que burlou o sistema colocando chumbinho no combustível. Percebi que havia uma informação errada e pensei: ‘Poxa, coitado, falou algo incorreto e vai receber várias críticas nos comentários’. Mas quando fui olhar, não tinha nada.”
A influenciadora ainda complementou dizendo que teria a certeza de que se publicasse algo com a informação errada, teria muitos comentários corrigindo-a, que ela seria apedrejada pela internet. Ainda podemos pontuar que a diferença de engajamento é indiscutível.
Além da credibilidade questionada, mulheres são frequentemente acusadas de assistirem corridas apenas pelos pilotos bonitos, como se durante a corrida fosse possível ver algo. Falas que muitas vezes são sustentadas pelo alto escalão do automobilismo como a declaração de Christian Horner o chefe de equipe da Redbull Racing que além de ter sido acusado de assédio, foi extremamente desrespeitoso ao declarar em uma entrevista internacional: “A F1 está atraindo diversas meninas por conta dos pilotos que são muito bonitos”.
O que somente reforça que em pleno século 21 mulheres ainda são privadas de gostarem do esporte apenas por serem mulheres.
“Quando eu falo que gosto de fórmula 1, as pessoas falam: ‘Ah, é? Mas qual é o piloto que você acha mais bonito?’ Eu geralmente respondo perguntando: e você? Qual o piloto que você acha mais bonito? Pois se é isso que você acha que é sobre, me diz ai”, rebate Malu.
Outra exemplificação de situações como essas está presente na fala de Helmut Marko ao jornal Kleine Zeitung: “Se você está pilotando a 300 quilômetros por hora e tem uma luta roda a roda, então a brutalidade é parte disso, não sei se isso é da natureza feminina. Você tem de estar em forma na Fórmula 1 e precisa de uma força insana desde o ombro.”
Esse tipo de pensamento somente reforça estereótipos que devem ser quebrados, porque são inverdades provadas.
A brasileira Bia Figueiredo é um dos maiores exemplos disso, além de piloto é a presidente da Comissão Feminina de Automobilismo e atual campeã da Copa Truck Elite, uma categoria de corridas com caminhões. Ela estreou em 2023 na modalidade, no mesmo ano empatou como vice-campeã e perdeu no critério desempate. Ganhou ano passado com 6 poles e 7 vitórias em 9 corridas, tornando-se campeã antecipada do campeonato. Consagrando-se assim a primeira mulher campeã da categoria.
O que fica de tudo isso é que por mais que o pequeno mundo do automobilismo esteja mudando e as mulheres estejam se movimentando para que assim haja cada vez mais mulheres, tudo é feito em passos de formiga e a mudança por mais que já esteja presente, precisa ser ainda maior. Como disse a Rachel Low durante entrevista à Agenzia:
“Não, não basta só eu existir. Eu tenho que abrir a porta, eu tenho que quebrar a parede, eu tenho que puxar pelos cabelos e dizer venham”.