Você já percebeu o tanto de gente que começou a correr de uns tempos para cá? A corrida de rua tem se tornado presente na rotina da população, refletindo uma mudança no estilo de vida urbano. Segundo a maior pesquisa já realizada sobre a cultura da corrida no País, promovida pela Olympikus, mais de 13 milhões de brasileiros declaram correr pelo menos uma vez na semana.
A prática, antes vista apenas como exercício físico ou preparação para competições, se transformou em um verdadeiro movimento social, impulsionado pelas redes sociais, influenciadores digitais e pelo intensificado interesse das marcas esportivas. Mas a corrida de rua conquistou seu espaço de forma gradual, acompanhada de uma mudança no estilo de vida das novas gerações, que buscam atividades ao ar livre e formas alternativas de socializar.
As ruas e parques das grandes cidades refletem essa nova realidade. Não é difícil encontrar grupos de corrida que unem pessoas com interesses em comum – sejam amizades, redes de apoio ou até mesmo encontros românticos. Exemplo disso é o “Vem com Nois”, grupo que promove treinos coletivos gratuitos na Avenida Paulista há 8 anos. Caio Bellentani, ex-estudante da Cásper Líbero e fundador do projeto, acredita que essa nova onda de corredores se dá além da performance, mas pela socialização de maneira descontraída e oportunidade de ter um lifestyle descolado relacionado ao esporte. A partir disso, desenvolveu um evento que envolve música, dança e aposta na corrida como ferramenta de conexão entre pessoas.
Ele conta, por exemplo, que o Vem Com Nois participou da trend da Meia Azul, uma ação feita em parceria com a Inner Circle e a Olympikus, que mobilizou diversos coletivos de corrida nas redes sociais. A proposta consistia em utilizar meias azuis durante os treinos como um código discreto para indicar que a pessoa está solteira e aberto a conhecer novas pessoas, sem a necessidade de palavras. A escolha da cor azul está associada à tranquilidade e à confiança, buscando criar um ambiente amigável e descontraído durante a prática esportiva.
Para Bellentani, movimentos como esse mostram como a corrida de rua tem ganhado novos contornos. “A corrida virou um movimento social muito mais do que performance. Aqui ninguém está nem aí para performance ou o quanto você corre. A ideia é a gente poder estar juntos”, afirma. Ele ainda comenta que já presenciou vários casais se formando dentro do projeto, reforçando essa dimensão afetiva e comunitária da prática.
De acordo com André Moreira, cofundador do grupo de corrida “Vem com Nois”, a proposta sempre foi promover a socialização, utilizando o esporte como ponto de encontro. Segundo ele, o grupo já proporcionou momentos marcantes, como casamentos, novas amizades e até oportunidades de emprego. André também relembra o início do projeto, quando muitos precisavam de um incentivo extra para participar dos treinos. Eventos após as corridas ajudavam a atrair mais pessoas, e parcerias com marcas como Nike e Adidas permitiram unir as atividades físicas à experimentação de tênis esportivos. Ele destaca ainda que diversos participantes passaram a convidar familiares e amigos para se juntarem ao grupo.
Aura Cuenca, uma das corredoras que estava presente no treino do “Vem com Nois”, afirma que começou por interesse, pois ela já praticava crossfit e decidiu testar seu desempenho na corrida. Obteve um bom resultado e acabou se identificando muito. Logo, buscou grupos de corrida na internet e descobriu o “Vem com Nois”.
“É bem divertido correr com o grupo, porque eu corro mais quando estou com outras pessoas. Quando estou sozinha, o meu desempenho não chega a ser tão forte, mas eu acho que é porque o grupo te incentiva a correr mais naquele momento. Não que o grupo me faça querer continuar correndo — eu quero continuar correndo mesmo se não tiver um grupo — mas, em grupo, o desempenho é melhor”, afirma.
O “boom” da corrida entre os jovens
O enorme aumento de corridas de rua integra o cotidiano na vida dos brasileiros, principalmente entre os jovens de 16 a 30 anos. No 3° Summit Abraceo/CBAt, a jornalista Silvia Herrera apresentou um levantamento de dados que mostra que o número de provas teve um aumento de 29% de 2023 para 2024. Naquele ano, haviam sido registradas 2.186 corridas, já no ano passado o número subiu para 2.827. O estudo foi realizado para a Associação Brasileira de Organizadores de Corridas de Rua e Esportes Outdoor (ABRACEO).
Para a DJ Camilla Brunetta, corredora há mais de 10 anos, esse aumento vem do senso de comunidade, senso de pertencimento, vontade de estar incluído, fazer parte de algo. Segundo ela, esse “boom saudável” surge como um novo estilo da geração atual em que a corrida cresceu muito por conta desse lado mais fitness que vem aumentando. “Essa consciência de saúde tem vindo muito forte. Tanto é que essa geração de agora é a que menos está bebendo e saindo.” Para a corredora, deve ser por isso que os eventos estão também indo um pouco “para baixo”, esse lifestyle fitness está vindo bem forte, então as pessoas estão preferindo eventos que terminem mais cedo para poder dormir, descansar mais cedo e treinar no dia seguinte.
Camilla conta que muitas pessoas têm visto esses eventos como uma nova maneira de conhecer novos parceiros de relacionamento, e com essa nova visão, sites de relacionamento têm se interessado em patrocinar as corridas, proporcionando uma experiência romântica dentro desses espaços. “Eu percebo esse clima de paquera nos eventos. Eu vejo que está difícil para as pessoas conseguirem se conectar em festa.” O grupo em que Camilla corre fechou recentemente uma parceria com a Tinder todas as quintas à noite, mas ela acredita que quando é algo muito voltado para o romance, as pessoas ficam assustadas, é preciso ser algo leve e sem pressão. “Quando você vai lá sem compromisso, só para correr, ok. Mas o que realmente causa esse interesse entre duas pessoas é o hobbie em comum em um lugar em que ambos frequentam, coisas naturais que levam a paquera”, diz ela.
Influência digital e a febre da corrida
Segundo o relatório anual de Tendências de Esportes do Strava, o Brasil é o segundo país com o maior número de atletas. O relatório também mostra o crescimento de 109% de clubes de corrida no Brasil em 2024 – quase o dobro da média global (59%).
O Strava, aplicativo de monitoramento de exercícios físicos com características de redes sociais, é popular no mundo da corrida e muitas pessoas acreditam que aplicativos como ele se tornaram versões alternativas de sites de namoro. Gislaine Mueller, líder do grupo de corrida HYPC, também defende esse ponto de vista, alegando que muita gente utiliza o Strava além de sua função esportiva. O app apresenta muitas formas de identificar quem correu com você, e em muitos casos as pessoas ficam procurando pessoas específicas quando rola um interesse a mais. O intuito do Strava é ser uma rede social de pessoas que buscam correr e se movimentar, é uma rede social de esportes, porém tem sido sim, muito utilizado para pessoas com gostos em comum se conectarem de maneira mais profunda.
Renan Ribeiro, que também é líder do HYPC, afirma que nos eventos existem muitos momentos de socialização e interação entre os participantes, que podem ocasionalmente levar a encontros fora desses ambientes. “Depois do corre a gente vai para um barzinho, o Bife de Filé, onde a gente se enturma, conhece a galera e faz amizade”. Renan defende que esse “hype” tem impactos positivos no estilo de vida daqueles que incorporam a corrida no seu cotidiano, indo muito além da socialização, mas na saúde mental e física. “Acho que as pessoas têm que surfar mesmo nesse hype da corrida, porque é uma parada saudável, que vai ajudar no seu lifestyle, na sua mente, no seu corpo. Você vai cuidar da sua saúde e do seu interior.”
Vitória Silva, que participou do encontro com o grupo HYPC, começou a correr no início deste ano, incentivada por seu pai. Ela conta que já fez muitas amizades por meio da prática e que os colegas mantêm contato frequente, marcando treinos em parques.
Para ela, a principal motivação de quem se junta a grupos de corrida é a vontade de socializar — o que também a levou a integrar o HYPC.
Mais do que social
De olho nessa tendência, grandes marcas esportivas apostaram pesado em produtos para corredores: tênis de alta performance, roupas específicas, acessórios tecnológicos e até linhas exclusivas voltadas para nichos como corrida feminina ou iniciantes. Essa movimentação comercial reforçou ainda mais o fenômeno, criando um novo mercado que associa corrida, consumo e estilo de vida. “Falando de tênis por exemplo, antigamente eram Nike e Adidas que dominavam o mercado. Agora a Olympikus, que é brasileira, veio com tudo, forte pra caramba. Antigamente o Olympikus era tipo cafona, quem usava Olympikus não era “da galera”, hoje em dia, você tem uma penca de marca de tênis”, diz Camilla.
Embora o aspecto social seja evidente, outros especialistas e corredores também apontam para motivações mais individuais e profundas da corrida de rua. Paulo Vieira, jornalista, colunista da Folha e criador do blog Jornalistas que Correm, reconhece o lado comunitário da corrida, mas acredita que o crescimento da prática se deve também à busca individual por saúde física e mental. “A corrida é o esporte mais democrático. Você precisa de pouco equipamento, os resultados aparecem rápido, e isso facilita a adesão”, lembra.
Para ele, a corrida é um momento de reconexão pessoal, de introspecção. “Às vezes você corre uma hora ou mais, sem celular, só com seus pensamentos. É quase uma meditação em movimento.” Em seu texto “Corrida com Abramovic”, Paulo propõe uma visão sensorial e artística do ato de correr — menos voltada para números, mais centrada na experiência mental e emocional.
Essa visão sensível e introspectiva mostra como a corrida pode ir além do desempenho físico. No fim das contas, e depois de analisar tantos pontos de vista — seja o esportivo, o comercial, o social ou o pessoal —, concluimos que a corrida de rua é um fenômeno complexo, mas acessível, que tem ganhado espaço justamente por caber em tantas realidades e transformar, de formas diferentes, a vida de quem corre.
Reportagem muito boa! A corrida é o esporte do momento!!