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14-junho-2025 Ano 1

A nova receita para ditadura da magreza está no virtual

As redes sociais impõem um padrão de ditadura da magreza cada vez mais inatingível, e os remédios para emagrecimento surgem como alternativa rápida e fácil pela busca desse ideal.

Por: Adriana Gomes, Annie Figueiredo, Isabela Balster, Lara Vital, Sofia Cingotta e Sofia Sá

As redes sociais atualizaram a chamada “ditadura da magreza” que antes pressionava principalmente modelos e profissionais do mundo da moda. Hoje, essa cobrança por um “corpo ideal” atinge uma parcela muito maior da população. Impactando pessoas de diferentes idades que usam plataformas como Instagram e TikTok. 

Em conversa com Agenzia, a modelo Nicole Pancev, 22, disse que cada versão dela (pessoa, modelo e designer de moda) lida com a magreza extrema de uma forma diferente. E afirma que a moda não é sobre corpos, mas sobre o que veste corpos. Complementando que essa pressão pela magreza é sempre direcionada a um grupo específico: “A ditadura da magreza é sobre mulheres”.

A modelo Nicole Pancev, aparece no estúdio sorrindo durante conversa com a Agenzia - Foto: Isabela Balster / Agenzia
A modelo Nicole Pancev, aparece no estúdio sorrindo durante conversa sobre a ditadura da magreza com a Agenzia – Foto: Isabela Balster / Agenzia

Ditadura da magreza para as mulheres 

O pesquisador Rodrigo Daniel Sanches elaborou uma tese de doutorado sobre a imagem do corpo feminino na mídia e no discurso de novas dietas. Apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Rodrigo comenta que as mídias sociais fazem com que as mulheres sintam a necessidade de ter o corpo irreal que existe apenas no imaginário da sociedade.

“Para vender produtos, vender dietas milagrosas, para conseguir like. Então, quando a gente vê uma influenciadora digital que passa essa ideia de extrema magreza, ela está atrelada ao sucesso, à felicidade, ao bem-estar, à alegria”, ressalta Rodrigo.

Responsabilidade dos influencers

A influencer Lorella Verta, 21, conhecida como Lolla, relata que existe uma grande responsabilidade das figuras públicas sobre os conteúdos que publicam nas redes sociais. Isto porque, segundo ela, a influência que a exposição da imagem corporal promove na vida dos telespectadores causa consequências. A influenciadora afirma que existe muita comparação, tanto entre os influenciadores, quanto das pessoas que os seguem e acompanham. Lolla, que trabalha com sua imagem na internet há dez anos, fala que a autoestima do indivíduo não pode estar vinculada a um número numa balança, o que nomeou como “padrão irreal”.

A influencer Lolla Verta segura um aparelho celular, posando para  um foto chamada “selfie”. Ela atendeu a Agenzia durante conversa sobre a ditadura da magreza. – Foto: Sofia Cingotta/ Agenzia

“A imagem não sofre”

O pesquisador Sanches relata que as camadas sociais mais baixas se sentem pressionadas a terem uma vida minimamente parecida e comparam-se o tempo todo. E descreve que as comparações são injustas com outras mulheres porque as imagens passam por retoques digitais. Vale lembrar que a maioria dessas influencers possui uma rotina voltada para construção de uma imagem corporal específica. Isto é, as mesmas possuem esteticista, nutricionista, médicos, dermatologistas e cabeleireiros.

Sanches também faz uma análise dos discursos de figuras públicas nas redes sociais e de que maneira isso impacta na vida das pessoas. Os discursos promovidos por celebridades, artistas, muitas vezes atletas, influenciam a sociedade com um discurso no estilo “vocês podem!”. Ou seja, a mensagem é que bastaria, apenas, fazer a dieta milagrosa, o exercício proposto, a nova cirurgia que vai revolucionar o formato da sua barriga, das suas pernas, seios etc.

Lolla ilustra que dentro do mercado da estética a quantidade de falas que acabam influenciando as modelos é acima do normal: “Sempre tem aquele comentário disfarçado de elogio. ‘Nossa, você emagreceu, tá linda!’. O que indiretamente reforça a ideia de que ela só é valorizada quando está dentro do padrão”.

Soluções contra ditadura da magreza

Assim, para Lolla, uma forma de promover essa conscientização do público, é mostrar a realidade nas redes sociais, ainda postando treinos e uma rotina saudável: “Eu, por exemplo, tento sempre mostrar a realidade por trás das câmeras. E ainda assim posto e tento ir para academia, incentivo as meninas que me seguem, mas também, mostro que eu sempre como um docinho ali. Não deixo ninguém afetar essa parte minha, porque assim, eu amo comer, né?”. Além disso, Lolla também ressalta que sempre tenta lembrar suas seguidoras que a autoestima se constrói com afeto e não com comparação.

Segundo Sanches, uma das maneiras de mudar essa realidade é trazer esclarecimento já nas escolas e fazer com que os jovens compreendam que esses discursos podem trazer malefícios. Assim, é necessária, uma educação midiática para esclarecer para os jovens os riscos da idolatria e do hábito exagerado de classificar corpos como “feios”. 

Sanches conta que a beleza deveria estar na pluralidade das formas.

“Invertemos o processo, idolatramos imagens e achamos feio o corpo real. Lembrando que imagem não chora, imagem não sente dor, imagem não tem uma noite mal dormida.” Assim, o professor finaliza que ao buscar alterações no nosso corpo, em busca de um formato que existe nas imagens, é claro que esse corpo vai sofrer.

A psicóloga, pesquisadora e professora universitária da PUC (Pontifícia Universidade Católica) São Paulo Gabriela Gramkow afirma que o desafio é oferecer diferentes pontos de vista sobre corpos. A diversidade de corpos precisa estar presente na literatura, na música e nas artes. O objetivo é amplificar a rede de apoio dos adolescentes e a oferta da pluralidade. 

Por trás da influência que as redes sociais promovem, existe uma saúde mental que fica abalada por não conseguir estar nesses padrões. A perfeição entra como uma referência na rede social. “E o desejo de alcançar este corpo ideal, esta vida, esse tipo de corpo ideal é muito violento”, arremata Gramkow.

Do mesmo modo, a pesquisadora articula que corpos trans e racializados vão sendo desqualificados à medida que a circulação deles são percebidos pelo alheio com muita raiva, ódio e com o desejo de alienação. 

É saúde ou estética?

A “ditadura da magreza” não está sendo imposta somente pela moda e pelas tendências, mas, principalmente, pelas redes sociais. Virou trend a vida saudável, com treinos, uma boa alimentação e, em muitos casos, remédios para ajudar nesse processo de emagrecimento, como Ozempic e Mounjaro.

A especialista em endocrinologia e metabologia Elizabeth Xavier Bianchini relata que existem algumas classes de medicamentos para o tratamento da obesidade. Pensando em, pelo menos quatro classes, o primeiro seria o Zetron, um medicamento que atua a nível cerebral, em receptores, inibindo a recaptação de adrenalina, serotonina e norepinefrina. Ela diminui aquela vontade de querer comer, por causa da inativação de serotonina, e, também, promove uma melhora na saciedade.

Um outro grupo de medicamentos é popularmente conhecido como Xenical, que inibe 30% da absorção da gordura ingerida, já que inativa as lipases pancreáticas, responsáveis pela quebra de gordura. Ou seja, esse medicamento permite que toda gordura ingerida passe direto pelo tubo digestivo e não seja absorvida. Mas é um remédio que não promove uma grande perda de peso, apenas de 6%.

Na terceira classe, Bianchini comenta sobre os medicamentos de ação no sistema nervoso central, que auxiliam, principalmente, o paciente que tem o transtorno de compulsão alimentar ou que sofre do “comer emocional” (comer porque está triste, cansado, etc…).

E, por fim, há um outro grupo, que são os hoje famosos  Ozempic e  Mounjaro. Eles são hormônios produzidos pelo tubo digestivo, que sinalizam para o nosso cérebro como está o nosso “status” alimentar. E esses medicamentos vão, de uma forma muito inteligente, imitar os efeitos dos hormônios que são naturais, mas rapidamente inativados no corpo. Com um tempo de ação muito mais prolongado que mantêm o paciente satisfeito por muito mais tempo.

Remédios famosos utilizados no emagrecimento

O Ozempic começou sendo indicado para diabetes tipo 2, mas hoje é largamente receitado contra a obesidade. Promovendo a redução de ingestão de calorias, por meio do aumento da saciedade; reduz a fome, por atuar no hipotálamo e reduz o mecanismo da recompensa. 

Outra droga que foi lançada mais recentemente é conhecida de maneira comercial como Mounjaro. De acordo com a endócrino, esse medicamento é mais eficaz que o Ozempic, porque mantém uma taxa metabólica mais elevada e um aumento da perda de gordura. Independente da ingestão calórica, estimula os receptores tanto no sistema nervoso central, como no tecido adiposo. Não havia nenhum medicamento que atuasse sobre o tecido adiposo até hoje para perda de peso. O Mounjaro promove, então, uma perda de peso relatada de, pelo menos, 21% do peso corporal em 12 semanas de tratamento.

Esses medicamentos são eficazes porque eles atuam em vários órgãos (diferentemente das outras medicações), mas especialmente estimulando os hormônios neuroendócrinos. Eles têm efeitos potentes tanto no trato gastrointestinal como no cérebro.

O uso inadequado dos medicamentos

De acordo com a médica, o importante é conseguir criar a melhor indicação. Logo, todos os remédios podem ser bons, desde que bem indicados. Segundo ela, na mídia “todos querem usar a canetinha”, mas nem sempre a melhor indicação para todos vai ser uma. 

Caso o medicamento não for bem indicado, ele não terá uma resposta bacana e o paciente será considerado um não respondedor. Isto porque, existem, também, pacientes que são respondedores e até super respondedores. De acordo com a médica, os motivos pelos quais os pacientes buscam algum tratamento, com medicamentos, são variados. Mas, na maioria dos casos são do tipo “doutora, preciso que você me ajude!”. 

No consultório de Bianchini, há muitos pacientes que procuram medicação devido ao excesso de peso e que já utilizaram algumas medicações para emagrecer, sem a orientação médica. Isso acontece porque elas têm uma facilidade de acesso, já que não é exigido uma receita médica controlada. Este também é um dos fatores que promove um grande sucesso desses medicamentos nas redes sociais. A facilidade de obtenção e o fato de que são eficazes promovem uma grande fama. Viram hype.

Efeitos colaterais

Para ela, usar medicamentos para emagrecimento sem nenhum tipo de prescrição é prejudicial, até porque, o paciente não sabe a dose certa, quando aplicar, o que fazer com os efeitos colaterais, entre outros. E os efeitos colaterais, de acordo com a médica, ocorrem em, pelo menos, 30% das pessoas. Eles vão impactar no tratamento, mas se existir um acompanhamento médico eles podem ser suavizados.

Esses remédios, de acordo com a endócrino, podem ser usados para melhorar a saúde, e ajudar em tratamentos de obesidade e hipertensão, mas todos precisam de um acompanhamento médico. 

Mas como se as redes sociais influenciam o uso descontrolado desses remédios? Para Bianchini, estar ao lado de profissionais, não só médicos, como também nutricionistas e psicólogos, ajuda a manter a vida daquele paciente e usuário desses medicamentos, de forma saudável.

O personal trainer no Studio G2 Raphael Jonathan alertou que o uso de medicamentos no processo de emagrecimento e sua funcionalidade sem a atividade física, trazem malefícios como a perda de massa muscular:  “Olha, hoje em dia funciona bastante, mas o que acontece, tem uns malefícios. Vou dar um exemplo sobre o Ozempic. Quando você utiliza essa medicação, você consegue chegar na parte do emagrecimento que você quer? Consegue. O que tem de malefício nisso? Além dessa perda de gordura muito rápida, você acaba perdendo a sua qualidade que seria a massa muscular.”

Influenciadores X credibilidade

Para a nutricionista Natália Lorenzi, muitas vezes os influenciadores postam nas redes informações sem embasamento teórico e, consequentemente, trazem informações falsas. Logo, assim como a endócrino, para Natália, ter uma indicação médica ou nutricional é essencial. 

“Tem muitas influenciadoras que realmente gostam de mostrar a alimentação, porque elas têm verdade que aquilo é certo. Às vezes o médico que passou isso para ela, passou por um período”, diz Natália.

Muitas vezes os influenciadores postam nas redes informações sem embasamento teórico e, consequentemente, trazem informações falsas. “E os influenciadores que não são formados, não tem respaldo na área, podem postar o que eles querem. Então sempre procura da onde é a fonte”, afirma a nutricionista. 

O personal finaliza informando que devido à pandemia aumentou o descuido com a saúde dos clientes. E que mesmo a pessoa seguindo um estilo de vida saudável, não tem uma relação necessária com padrão estético de corpo imposto pelas redes, mas que há uma procura da prática do exercício físico para poder envelhecer bem.

O personal trainer Raphael Jonathan pratica exercícios com pesos de academia – Foto: Sofia Cingotta/ Agenzia

c02

O grupo C02 é composto por: Adriana Gomes, Annie Figueiredo, Isabela Balster, Lara Vital, Sofia Cingotta e Sofia Sá

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