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14-junho-2025 Ano 1

Torcidas organizadas e a violência: causas e soluções

As torcidas organizadas no estado de São Paulo ainda brigam, por qual motivo isso acontece e o que foi feito para amenizar esse problema? 

Por Arthur Gama, Caio Calio, Gabriel Vilela, Mateus Pego e Theo Carassoulis 

Em quase quatro décadas, o futebol brasileiro acumula um número alarmante de mortes associadas à violência entre torcidas organizadas. Desde 1988, segundo levantamento da TV Brasil, foram registradas 407 mortes graças as brigas entre torcidas organizadas — uma média de 11 por ano. Trata-se de uma estatística que, por si só, estremece, mas que ainda não revela toda a complexidade por trás desse fenômeno. Por trás dos números, existe uma teia de rivalidades exacerbadas entre as torcidas organizadas, tensões sociais profundas, omissões institucionais e, não menos relevante, um papel midiático que frequentemente mais acirra do que esclarece. 

Apesar dos esforços crescentes de autoridades, clubes e federações, os episódios de violência entre as torcidas organizadas seguem acontecendo, tanto nos arredores dos estádios quanto em espaços urbanos distantes dos gramados. Por que, mesmo após décadas de medidas, campanhas e repressão, as brigas persistem? A resposta não é simples e, certamente, não reside apenas no futebol. 

A Agenzia ouviu integrantes de diferentes torcidas organizadas, especialistas em comportamento social, psicólogos e representantes institucionais, na tentativa de entender os diferentes níveis desse problema.  

As raízes sociais dos conflitos entre torcidas organizadas 

No estado de São Paulo, a rivalidade entre Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos ultrapassam o futebol. Essas quatro equipes concentram algumas das maiores torcidas organizadas do país, cujo a carga educacional vai muito além das arquibancadas. Em dias de clássico, a cidade se transforma. O clima é de tensão, não apenas nos arredores dos estádios, mas também no transporte público e nas ruas. 

Imagem: Agenzia

Para Lucas Colombara, 39 anos, formado em engenharia e atualmente atuante do mercado financeiro e membro dos Gaviões da Fiel há mais de 20 anos, não é possível compreender a violência nas torcidas sem olhar para a própria sociedade brasileira.  

“Essa violência que tem nas torcidas organizadas nada mais é do que o reflexo da sociedade em que a gente vive. […] Até nas eleições passadas tivemos inúmeros casos de violência. A torcida é um microcosmo da sociedade. E se lá fora é violento, aqui dentro não seria diferente”, explica ele. 

Matheus Gerlach, 28, da Torcida Jovem Santista, diretor de comunicação e mídia da Torcida Jovem Santista, formado em jornalismo pela Faac Unisanta, reforça essa análise: “O buraco é mais embaixo. O futebol reflete muito o que ocorre na sociedade. Para mudar as arquibancadas, é necessário antes mudar as políticas sociais do país. A opressão potencializa a violência, porque ela gera indignação”. 

Imagem: Agenzia

Os relatos são unânimes em afirmar que fatores como desigualdade social, falta de oportunidades, exclusão econômica e ausência de políticas públicas eficazes transbordam para o ambiente das torcidas, onde a identificação coletiva funciona como um incentivo tanto para a paixão quanto para o conflito. 

A mídia: vilã, aliada ou cúmplice? 

Se há um elemento controverso nesse debate, é o papel da mídia. Para muitos torcedores, os veículos de comunicação exercem uma influência direta no estereotipo negativo das torcidas. 

“Quando há briga, está em todas as manchetes. Mas quando organizadas se unem para arrecadar doações, como aconteceu na tragédia do Rio Grande do Sul, não aparece em nenhum lugar. Parece que só querem nos associar à violência”, critica Lucas, da Gaviões da Fiel. 

De fato, estudos de comunicação e mídia esportiva indicam, como o TCC Violência no futebol e torcidas organizadas: um estudo em representações sociais, os episódios de violência costumam ganhar mais espaço do que as ações sociais promovidas por essas torcidas. Ao mesmo tempo, há um reforço: a manchete violenta gera audiência, que por sua vez incentiva a busca por mais conteúdos sensacionalistas, criando um ciclo vicioso. 

Esse fenômeno não é isolado no Brasil. Pesquisadores como Franklin Foer, autor de “How Soccer Explains the World”, já apontaram como a imprensa em diferentes países muitas vezes amplifica rivalidades e reforça estereótipos em busca de engajamento e audiência. 

Um envolvimento sentimental dentro das torcidas organizadas

O futebol, para milhões, não é apenas um esporte. É uma identidade, um refúgio, uma extensão de quem se é. Esse pertencimento ganha força especialmente nas camadas sociais mais marginalizadas. 

João Ferron, 18 anos, estudante de direito e aluno da Ibmec e um dos mais jovens integrantes da Mancha Verde, disserta sobre: “O Palmeiras pra mim é um sentimento. É difícil explicar. E, por causa disso, às vezes o sangue sobe. Você quer defender o que é seu, ainda mais quando está cercado por quem sente o mesmo”. 

Imagem: Agenzia

Essa paixão, ao mesmo tempo que une, também separa. Ela constrói paradigmas entre “nós” e “eles”, uma sensação de pertencimento que, nas arquibancadas, se manifesta em cânticos, faixas, coreografias — e, infelizmente, também em confrontos. 

O psicólogo Rafael Gomes Taiar, que além de profissional é ex-integrante da Torcida Independente, explica: “A razão era o que menos aparecia quando o assunto era o São Paulo. O torcedor fazia de tudo para defender o time. Era bonito, mas preocupante. Porque muitas vezes as fronteiras entre o amor pelo clube e o ódio ao rival se confundem”. 

Imagem: Agenzia

O escritor do livro Torcidas Organizadas de Futebol, Luiz Henrique Toledo, diz que, ao classificar o domínio das torcidas sobre certos espaços urbanos como “apropriação privada do espaço público”. Na prática, isso significa que, em dias de jogo, determinadas avenidas, metrôs e terminais deixam de ser espaços neutros e passam a ser espaços privados de determinadas torcidas. 

Tragédias marcantes 

O histórico de episódios violentos no futebol paulista tem capítulos que ficaram marcados. A chamada “Batalha do Pacaembu”, em 1995, talvez seja um dos mais emblemáticos. Na final da Supercopa São Paulo de Juniores, um desentendimento que começou como uma provocação verbal terminou com 102 feridos e a morte de um jovem torcedor são-paulino Mário Gasparino, 16, que acabou falecendo após oito dias, devido as sequelas dos múltiplos traumatismos cranianos sofridos na briga. 

Mas não foi um episódio isolado. Em 2012, na “Batalha de Inajar”, na Zona Norte de São Paulo, dois torcedores da Mancha Verde foram mortos em uma emboscada atribuída a membros da Gaviões. Segundo investigações, tratava-se de uma retaliação por um assassinato ocorrido no ano anterior — uma sequência de violência que é repetitiva. 

Mais recentemente, em 2022, um confronto entre torcedores do Santos e do São Paulo, na cidade de Campinas, resultou em duas mortes e 16 prisões. Apesar de ter tido pouca repercussão na grande mídia, esse episódio acendeu novamente o alerta sobre a insuficiência das medidas atuais – torcida única em clássicos.  

Medidas de contenção 

Diante de um histórico tão complexo, a Federação Paulista de Futebol (FPF) e as autoridades públicas passaram a adotar medidas mais rigorosas. Entre elas, destacam-se o reconhecimento facial, a presença ostensiva da polícia nos arredores dos estádios e, a mais controversa de todas, a adoção da torcida única em clássicos de alto risco. 

Segundo o Estadão, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) cita que a política de torcida única foi responsável por uma redução de 43% nos confrontos após sua implementação. Em alguns períodos, como entre 2018 e 2019, a queda chegou a 93% em relação ao ano anterior. 

Mas a eficácia dessa política é alvo de intenso debate. “Torcida em dia de jogo está focada na festa, não em brigar. Torcida única não resolve. A polícia, com sua violência e opressão, é quem potencializa os conflitos. E, no fim, quem quer brigar, briga fora do estádio”, critica Matheus Gerlach. 

Lucas Colombara também denuncia abusos: “Já fui tratado como lixo, como bandido, sem ter feito absolutamente nada. Isso gera uma raiva que não deveria existir. A repressão muitas vezes provoca exatamente o que ela deveria evitar”. 

Apesar disso, as torcidas organizadas também participam, por meio de suas diretorias, de mesas de negociação com a FPF e a Polícia Militar, buscando garantir a segurança dos deslocamentos e evitando confrontos previamente anunciados nas redes sociais. 

José Antônio da Silva Neto, ex-colaborador da FPF, pondera: “Quando implementamos a torcida única, havia muito receio de que matássemos a alma dos clássicos. Mas, olhando os dados, é inegável que foi uma decisão assertiva do ponto de vista da segurança”. 

Por outro lado, a violência não desapareceu — apenas se deslocou. Os confrontos migraram dos estádios para ruas, bares, estações de transporte e até bairros inteiros, longe do alcance das câmeras e da segurança ostensiva. 

O Desafio da Responsabilização 

As torcidas organizadas são, ao mesmo tempo, atuantes em atos de solidariedade, cultura popular e resistência, mas também responsáveis, em muitos casos, pela perpetuação da violência. Ignorar qualquer uma dessas questões seria reduzir uma realidade complexa a uma narrativa irrelevante. 

Elas organizam doações em tragédias, campanhas contra a fome, aulas de percussão, grafite e cultura popular. Ao mesmo tempo, não se deve deixar passar sua atuação quando se observa que, em diversos episódios, são também causadores da violência. 

Construir paz nas arquibancadas passa, necessariamente, pela responsabilização coletiva — do poder público, da mídia, das torcidas e, sobretudo, da própria sociedade. Porque, no fim das contas, a violência no futebol não é um problema isolado dos estádios. Ela é, antes de tudo, o reflexo de uma sociedade desigual e excludente. 

UTILIZAÇÃO DE IA

Uso mínimo

Este conteúdo foi produzido por jornalistas, com o uso de Inteligência Artificial em algumas etapas de apoio, como no auxílio à redação do texto e na revisão e edição textual.

IAs Utilizadas: ChatGPT

Arthur Gama da Silva

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