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20-outubro-2025 Ano 1

Da Playboy ao OnlyFans: como o mundo anseia pelo explícito

A migração do erótico para o digital democratiza o acesso e a produção, mas a busca por corpos brancos e magros domina o consumo e mantém as raízes do machismo ditando as regras desse mercado

Por Bruna Pena, Filipe Cotting, Giovanna Zanetti e Lívia Nascimento

Foto: Charles Deluvio / Unsplash

Seis décadas separam o surgimento da Playboy, a revista norte-americana de mulheres nuas voltadas para o público masculino, do OnlyFans, plataforma criada para monetização de influenciadores, mas tomada de assalto por conteúdos eróticos. Em comum, ambos promovem a objetificação e a padronização de corpos femininos, que enfatizam ainda mais os pilares misóginos e racistas da sociedade. 

Mais que um “herdeiro” das páginas repletas de modelos, famosas ou não, que faziam parte da Playboy, o OnlyFans é fruto da superficialidade e da incerteza que regem a realidade contemporânea. Em um mundo em que as pessoas anseiam pelo que é rápido, explícito e visual – ainda que para suprir a ausência de profundidade e nuances em meio à sociedade atual -, a plataforma de conteúdo erótico atende a um mandamento número 1 da internet: é acessível.

Com o surgimento de uma geração que cresceu cercada de tecnologias, informações e redes sociais, formou-se uma cultura que prefere o imediato. O contato com o mundo online moldou o comportamento diante do erótico: as pessoas buscam por algo que facilite o olhar, entregue resultados claros e objetivos e forneça a dose diária de dopamina – neurotransmissor que, quando liberado, gera a sensação de prazer e aumenta a motivação.

Há uma clara distinção na abordagem do conteúdo entre o “mundo” da Playboy e o do OnlyFans: a revista, além do conteúdo erótico, era famosa pelas entrevistas com personalidades marcantes da época (inclusive o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi  entrevistado para a edição de julho de 1979 por ser um emergente líder sindical). Já o site funciona como um serviço de assinatura aberto para fotos e/ou vídeos de qualquer tipo de produtor de conteúdo, incluindo influenciadores, personal trainers, artistas em geral. Mas ela se popularizou pela venda de sessões “ao vivo” ou gravadas de teor pornográfico – e de forma “particular”, o que garante uma espécie de exclusividade e personalização.

Nem todas as estrelas da Playboy costumavam brilhar por terem posado para a revista, diferente da nova plataforma OnlyFans, em que quanto mais ousado for o conteúdo, mais lucrativo será o perfil. Muitas já eram conhecidas da publicação e, por isso, eram convidadas. “Quando falamos de mídia impressa, estamos falando de uma profissionalização desse trabalho: eram modelos contratadas para fazer essa exibição dos corpos, o que não deixa de ser uma sexualização do corpo da mulher, mas que é uma profissão que elas estavam ali ocupando. Mas quando vamos para as mídias digitais, qualquer uma pode usar do seu corpo para gerar desejo, e que também seja revertido algum prazer para essa mulher que se expõe, porque está fazendo esse ato exibicionista, de também receber essa adoração”, afirma a sexóloga, terapeuta sexual e de casais Mari Williams. Com o OnlyFans, a exposição do corpo da mulher continua sendo precificada, mas esta lógica não se limita a plataformas para adultos. No Instagram e no TikTok, lembra a sexóloga, os corpos também são exibidos gratuitamente “a troco de likes, de adoração”. E as consequências do livro e facilitado acesso massificado ao conteúdo erótico na internet não são triviais.

Em entrevista à Agenzia, Mari Williams defende que, quanto mais se conseguir fazer um “policiamento” disso, entendendo quais plataformas devem ser legalizadas, mais se conseguirá avançar nesse debate. Para ela, pensar que ainda se pode banir o conteúdo erótico é cair numa “grande cilada”. A consequência, se isso ocorresse, seria as pessoas continuarem consumindo de fontes erradas, de violência, abuso e pedofilia. “Deveriamos, cada vez mais, falar sobre o consumo de conteúdo erótico de uma maneira responsável, porque isso é algo que já está acontecendo.”

Raízes da objetificação

Quando se fala em erótico, é impossível não se recordar do fenômeno Playboy. A revista nasceu em 1953, criada por Hugh Hefner nos Estados Unidos e teve como sua primeira capa a estrela Marilyn Monroe, sex symbol de sua época. Sua chegada ao Brasil foi em 1975, sendo estrelada pela modelo Livia Mund. A publicação marcou gerações não apenas por aquelas que aceitavam ser fotografadas, mas também pelo exercício de liberdade criativa que era concedido aos produtores dos ensaios que incitavam o erotismo, a provocação e a excitação de diversas formas.

Mari Williams comenta que “o corpo feminino sempre foi um objeto de adoração. Isso não só nas revistas pornográficas e agora nas redes sociais, mas quando olhamos para as estátuas, esculturas, também tem uma predominância muito grande da beleza estética masculina. O que acontece é que o corpo feminino foi ocupando esse lugar de objeto de desejo e foi se esquecendo que existem mulheres aí dentro”.

Foi apenas com a ascensão de um feminismo pós-modernista que a ideia de liberdade sexual feminina foi disseminada com mais força. Segundo Bruna Pellegrini, em artigo científico, a mulher sempre foi vista de apenas duas formas: a fonte suprema e quase divina de vida, responsável pela geração e cuidado dos filhos, e a antagonista – Pandora, Eva, Luxúria, seres maléficos que amaldiçoam a humanidade com o pecado.

 De acordo Giulle do Nascimento, em seu artigo “Os padrões de beleza: A revista Playboy como espaço de produção histórica”, o ponto de transgressão ou transformação formadora de opinião sempre foram fontes constituídas a partir do desejo de consumo masculino idealizador sob a mulher. Ou seja, o anseio feminino em ser parte do que é considerado belo e bom para um homem é alimentado pelo conteúdo previamente produzido e pensado para a objetificação feminina por eles mesmos.

Tanto as revistas impressas do mundo erótico/pornográfico “antigo”, como era a Playboy, quanto o “digital” do atual, nasceram e perpetuam o foco no prazer masculino. O exercício da sexualidade feminina como forma de instigar a do homem, superficializando a primeira e a controlando por meio do consumo – controle que, para pensadores como Sigmund Freud, era a única forma de manter a civilização dos seres.

Aquilo que se planta como pornográfico institui padrões de pensamento e ideologia de forma sutil na sociedade: progressivamente se foram inseridos no imaginário social padrões de beleza, comportamento e até sensualidade, principalmente para mulheres, a fim de mantê-las na posição restrita de objeto. A ideia de um corpo feminino, considerado como um objeto de beleza e prazer é cultivada há séculos. A chegada da revista Playboy no Brasil só fez popularizar uma espécie de “culto” por certo padrão estético da mulher. Desde então, com a influência das mídias brasileiras e da cultura da magreza, a objetificação do físico feminino foi se enraizando dentro de uma sociedade machista. Sem amarras ou redes sociais para impor limites, os homens se sentiram confiantes em expor suas preferências e fez com que até as mulheres se achassem na obrigação de estar dentro dessas escolhas.

Mulheres no digital

Algumas décadas depois, agora já nos anos 2010, o aumento de acesso à internet fez explodir o acesso a conteúdos e websites de teor pornográfico. Com a garantia de anonimato e explosão na variedade de nichos e gêneros, o universo erótico se tornou um negócio lucrativo para muitos. A expansão da pornografia digital se tornou ambiente fértil para o conteúdo “amador”. Subir um vídeo em sites como Pornhub é tão simples quanto fazer o mesmo no Youtube.

O próprio Pornhub viu sua audiência de 15 bilhões de visitas anuais em 2013, ano em lançou sua primeira retrospectiva, saltar para mais de 50 bilhões sete anos depois. Nunca é demais lembrar que o ano de 2020 foi marcado pelo início da pandemia de Covid-19, obrigando bilhões de pessoas a quarentenas globais.

Segundo o artigo “Das calçadas para as telas : a penetração do mercado do sexo nas mídias digitais – UFRGS” é difícil localizar os primeiros movimentos de conteúdo adulto feito e publicado por mulheres, de forma autônoma na internet. No entanto, como as camgirls já eram famosas no submundo online desde o início dos fotologs, blogs, foi com a inserção das câmeras nos computadores que se iniciaram os movimentos de exibicionismo virtual, antecedidos pelas linhas telefônicas de relacionamento e chats de paquera.

A sexóloga Mari Williams afirma que, com as redes sociais e plataformas como o OnlyFans, há uma maior diversidade de corpos na produção de conteúdo erótico. Ela ressalta que pessoas que não eram tão representadas na pornografia convencional – como mulheres gordas, mulheres trans e asiáticas – agora podem criar material. Mas ela critica que, apesar dessa diversidade, os conteúdos mais consumidos e aclamados na prática ainda são, quase sempre, de mulheres brancas, magras, cisgênero e, muitas vezes, heterossexuais.

Artificialização de corpos femininos

Mari esclarece que a Inteligência Artificial, é essencialmente um “sistema de zero e um”, e que apenas oferece a representação – nesse caso, de uma mulher – que imagina ser a mais desejada pelo usuário. Não é de se surpreender que os corpos gerados pela IA sejam reflexos dos padrões de beleza explícitos da sociedade, sobre quais corpos são valorizados ou não. O problema, de fato, reside nas imagens irreais de mulheres com seios e nádegas volumosas, porém extremamente magras.

 Essas representações podem causar um dano real, como pode ser observado pelo aumento de procedimentos estéticos e cirurgias plásticas, com pessoas buscando a semelhança em figuras de mangás, animes, ou outras reproduções digitais. Contudo, ela frisa que a representação de padrões estéticos por meio da arte ou da indústria erótica era um fenômeno recorrente na cultura, e não apenas uma novidade exclusiva das IAs, “a inteligência artificial é um reflexo de toda essa cultura.” Declara a terapeuta.

Para a sexóloga, é possível sonhar com um espaço digital mais saudável e menos opressor para as mulheres. Mas isso só será possível se as mulheres se tornarem protagonistas dessas histórias. “Queremos fazer um conteúdo sexy, e que esse conteúdo venha de diretoras, produtoras, escritoras, com mulheres atrizes que estão confortáveis com a exibição dos próprios corpos”, explica Mari Williams. Isso significa ouvir e respeitar os desejos dessas mulheres, não adiantando “tempos de orgasmos, não cortando todos os pelos, nem fingindo que a nossa barriga não dobra”.

UTILIZAÇÃO DE IA
Uso Mínimo

Este conteúdo utilizou Inteligência Artificial nas seguintes etapas:

  • Geração de Imagens ou gráficos: utilizada para gerar gráficos

IAs utilizadas: Gemini

Giovanna Pareira Zanetti

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