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6-dezembro-2025 Ano 1

Ketlen Wiggers marca um novo gol, dessa vez, na maternidade

Conheça a história de Ketlen Wiggers, a maior artilheira da história do Santos, que agora se prepara para um novo desafio: ser mãe

Por Giovana Mileo, Julia Araujo, Larissa Menegatti, Luiza Watanabe e Sophia Foster

Como surgem as estrelas? Em Rio Fortuna, uma cidade pequena do interior de Santa Catarina, Ketlen já parecia saber a resposta ainda nos seus 8 anos. Corria entre os meninos, determinada, perseguindo uma bola que parecia entender o seu toque. Foi ali que um treinador local a viu jogar e a convidou para treinar em sua escolinha de futebol. No entanto, nem imaginavam que esse seria o primeiro passo de uma trajetória que marcaria a história do esporte mais amado do país.

Jogadora Ketlen Wiggers sentada em frente ao gramado sorrindo durante a entrevista da Agenzia.
Ketlen Wiggers participando da entrevista para o projeto Agenzia. A jogadora conta a sua história com o futebol, as conquistas e dificuldades da carreira e o que espera da nova fase com a maternidade. Foto: Agenzia.


Todavia, o futebol não foi a primeira escolha. Ketlen experimentou de tudo um pouco: dançava, praticava karatê, jogava vôlei. Mas, quando começou a fazer a rede balançar nada parecia mais fazer frente ao seu encantamento. “Muitas vezes faltava na aula de vôlei para ir jogar com meu amigo na quadra”, lembra, com o mesmo brilho nos olhos da menina de 8 anos. Era quase que um chamado, como se cada vez que ia para quadra com seu amigo fosse um lembrete do caminho que estava destinada a seguir.

O encontro com o Santos

O acaso tem uma forma curiosa de desenhar os destinos. Para Ketlen, um gesto simples em 2007 mudou tudo. Seu irmão jogou uma edição da Revista Época sobre a mesa da casa, aberta justamente em uma reportagem sobre as Sereias da Vila. Aquelas páginas viraram um convite silencioso. Bastou uma ligação para que o sonho, antes distante, começasse a ganhar contorno. Assim, aos 14 anos e já de malas prontas, a atacante foi com a confiança de quem sabia que iria passar na peneira – o processo de seleção dos times. No ano seguinte, ela se tornou a jogadora mais nova do Santos FC a estrear profissionalmente pelo clube, marcando seu primeiro gol já na estreia.

Ketlen ganhou uma segunda casa. Acolhida pelo presidente Modesto Roma e o técnico Kleiton Lima, ela via no Santos um lar, uma referência e parte fundamental de sua vida. Ali, a jogadora amadureceu, caiu e se reergueu, viveu certezas e dúvidas, construiu vínculos e encontrou seu grande propósito. A atacante agradece aos profissionais que fizeram parte de sua carreira no time santista, e reforça a gratidão à sua família que sempre fez questão de estar presente, mesmo que distante. “Graças a eles eu estou aqui”, afirma, lembrando das mãos que a empurraram em direção ao que viria a ser o grande capítulo de sua vida.

Desafios e vontade de desistir

Tudo ia bem até que, aos 18 anos, recebeu o diagnóstico de epilepsia. Na época, já defendia a camisa da Seleção brasileira. Foi um choque. O primeiro conselho médico foi o de que não poderia mais jogar futebol. Mesmo assim, não aceitou que seu sonho tivesse acabado. Então, após buscar novas opiniões, descobriu que, na verdade, o campo continuava sendo o melhor lugar para estar. Nunca havia sofrido uma crise dentro das quatro linhas.

Durante o período em que defendia a base da Seleção, Ketlen conheceu Ricardo Eid, médico da equipe Sub-20 à época, que mais tarde se tornaria seu marido. A relação se fortaleceu em um momento delicado: ela precisava passar por uma cirurgia no púbis e, durante o tratamento em São Paulo, aproximou-se dele. Hoje, eles estão juntos há 13 anos, unidos também pelas histórias de superação que compartilharam desde então.

Em 2012, sofreu uma lesão em um momento decisivo. Chegou a cogitar desistir do futebol. Relutante, fez a cirurgia do púbis. Modesto Roma, o presidente do Santos, afirmou que ela só voltaria a jogar se fizesse a operação. Após o sucesso do procedimento, retornou aos gramados e deu continuidade a carreira que estava construindo.

Quando o diploma não substitui a paixão

Apesar de já inserida no contexto profissional do futebol, Ketlen não dispensou os estudos. Iniciou o curso de Jornalismo, mas acabou trilhando seu caminho de volta ao esporte e se formou em Educação Física. Classifica o período universitário como cansativo, porém muito valioso. “Meu pai falava sempre para mim: ‘Você vai jogar futebol, mas eu quero que se forme numa área’”.

Em 2018, diploma na mão, a atacante novamente se viu diante da dúvida: seria hora de encerrar a carreira? Ponderou que talvez já tivesse se realizado profissionalmente e que fosse a hora de seguir outros caminhos. Tentou. Mas o período fora dos campos não durou muito. “Não conseguia achar nada que eu gostasse” e, após ser chamada novamente pelo Santos, retornou às suas atividades com a bola.

Experiências e reconhecimento

Ao longo de sua trajetória, Ketlen colecionou memórias e conquistas inesquecíveis. Uma das mais marcantes foi a primeira Copa Libertadores, disputada em 2009, quando ainda era adolescente. Tinha 17 anos. Na final, marcou um gol e ajudou o Santos a erguer o troféu. O centésimo gol pelo clube foi outro momento de virada, quando passou a ser reconhecida fora dos campos. Entendeu, então, a dimensão de seu trabalho e o impacto que gerava em outras pessoas.

Atualmente, com mais de 200 gols marcados, é a maior artilheira da história das Sereias da Vila. Um feito que ultrapassa os limites da Vila Belmiro e reforça seu nome como uma das grandes referências do futebol feminino nacional.

Entre tantas lembranças, há uma que Ketlen guarda com carinho: ter dividido o campo com a craque Marta.

“Ela me ajudou muito com a timidez, me dava conselhos dentro e fora de campo”, relembra.

O convívio com a maior jogadora da história foi inspirador. A santista exerce esse mesmo papel com as companheiras mais jovens, orientando-as com a mesma generosidade que recebeu.

Depois de uma breve passagem pelos Estados Unidos, onde jogou pelo Boston Breakers, acompanhou à distância a retomada do futebol feminino no Santos. Entretanto, a saudade da Vila falou mais alto. Pediu para voltar e foi acolhida novamente. Desde então, reconhece o peso e a honra de vestir a camisa que tantas jogadoras e jogadores históricos já defenderam.  A voz embargada revela que ainda se emociona ao olhar para trás e perceber o quanto cresceu desde aquela menina do interior de Santa Catarina que sonhava em jogar futebol.

Maternidade e novos sonhos

A atacante experimenta a maternidade com a mesma paixão e dedicação que sempre teve pelo futebol. Ketlen destaca que o apoio do clube tem sido fundamental nesse período. Já que desde a diretoria até as companheiras de time, todas acolheram a nova fase da atleta. “Tenho muita sorte de estar no Santos nesse período.”

Mesmo durante a gravidez de seu primeiro filho, Lucca, a atleta continuou participando dos treinos, sempre com acompanhamento médico. Além disso, monitorava os batimentos cardíacos e o tempo de exercício pelo relógio no pulso esquerdo, adaptando o ritmo à gestação e aos cuidados necessários. Em cada movimento, carrega consigo o desejo de mostrar ao filho o amor pelo clube. “Acho muito especial ele ver depois que estava treinando na barriga da mãe dele.”

Ketlen Wiggers caminhando no gramado durante o treino das Sereias da Vila.
Ketlen Wiggers em treino com as Sereias da Vila. A melhor artilheira da história do Santos continou treinando normalmente com as companheiras de time, porém, com maiores cuidados, especialmente em relação a intensidade a duração dos treinos. Foto: Agenzia

A atleta cita a fama negativa que a maternidade no futebol carrega, que inclusive a fez pensar que não conseguiria realizar ambos os sonhos. Porém, a realidade provou o contrário pois a jogadora conta que após duas semanas do parto já poderá voltar aos gramados.

Enquanto vive a fase mais doce da maternidade, a atacante também olha para o futuro. Interessada pelos bastidores do esporte, busca compreender como o futebol funciona além das quatro linhas. Observa rotinas, participa de atividades administrativas e demonstra curiosidade por novas áreas. Ainda não sabe qual caminho seguirá, mas tem certeza de que quer continuar contribuindo com o clube e o esporte que marcou sua história.

O título mais especial de sua vida: mãe

Assim, o dia 20 de novembro de 2025 ficará marcado para sempre na história de Ketlen como o dia que marcou o maior gol de sua vida. Dessa forma, Ketlen só reforça a inspiração que é. Cada passo que dá, seja nos gramados da Vila Belmiro ou nos cuidados com o filho recém-nascido, carrega a mesma determinação que a trouxe desde Rio Fortuna.

Luiza Watanabe Verzemiassi

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