sábado

14-junho-2025 Ano 1

A falta de leitura na vida dos jovens brasileiros

O estímulo à leitura por meio de clássicos nas escolas afasta os jovens da leitura, tornando o ato de ler uma obrigação sem prazer, conexão ou continuidade, assim aumentando o número de jovens brasileiros que não leem.

Por Amanda Vernacci, Ana Beatriz Bacellar, Giullia Morato, Isabelle Aires e Maria Fernanda Oliveira

“Nunca se leu tanto quanto hoje, porém frases pequenas”    

“Sem contar a escola, nunca fui muito incentivada a ler e o meu contato com a leitura foi só a vontade de ler. Chegar a ler, eu nunca li muito”, admite Maria Eduarda Ferrari Balbino, uma jovem de 18 anos, estudante de Biomedicina da Unip. Ela não é exceção, mas a regra em um País que mais da metade da população não é considerada leitora de livros.

A experiência escolar da jovem com a leitura foi, em suas palavras, um “incentivo ruim”. Ela conta que lia apenas para cumprir uma exigência, visando a prova, sem ter qualquer curiosidade genuína despertada ou interesse próprio. Os livros propostos pela professora, ela lembra, não a cativaram, o que só geravam mais queixas do que prazer. A leitura obrigatória, especialmente aqueles que são exigidos nos vestibulares, é o principal caminho para inserir os adolescentes nos universos do livro, mas, para Maria Eduarda, essa abordagem não cria um hábito. Ao contrário, desincentiva.

De acordo com a pesquisa da Sindicato Nacional De Editoras De Livros (Snel)- chamada de Retratos Da Leitura No Brasil, 2024 foi o ano que apresentou menor número proporcional de leitores. Em 2007, o Brasil tinha cerca de 173 milhões de pessoas com 5 anos ou mais com 95,6 milhões de leitores; em 2011 eram 178 milhões de brasileiros com 88, 2 de leitores; em 2015 eram 188 com 104,7 milhões de leitores; em 2019 eram 193 milhões com 100, 1 milhões e em 2024 foram 201 milhões com 93,4 de leitores.


Gráfico de linhas com dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. O eixo X refere-se ao passar dos anos do início da pesquisa e o eixo Y a quantidade de leitores em relação a população brasileira. Isso representa uma queda na leitura brasileira progressivamente.
Gráfico de linhas sobre a População e Leitores no Brasil

Em algumas escolas, principalmente no período da educação infantil é comum ter vendas de livros, mas nem sempre comprados por conta das letras contidas neles. “Eu comprava só por causa dos bonequinhos”, afirma a estudante Maria Eduarda.

O preço dos livros também é um dos motivos que faz com que a adolescente não queira pedir para seus pais comprarem, pois eles não são sua prioridade de compra. “Se tivesse uma Polaroid e um livro, iria querer a Polaroid, mesmo sendo mais cara.” Algo que a desinteressa também, são livros em formato digital. “Não chego nos meus pais e peço para eles comprarem, por ser caro e por isso acho que seria melhor o PDF, mas não me dá a mesma vontade”, explica.

Algo que fez Maria Eduarda comprar um livro que acabou não lendo, foi a sua capa ser bonita, o que acontece com diversas pessoas, o julgamento do livro pela capa “Comprei o Moby Dick porque gostei da capa, mas a leitura dele é muito difícil e eu não consigo terminá-lo”. Por ser a primeira coisa que a pessoa vê, a capa, pode fazê-la se interessar pelo livro, mas não saber do que se trata e como será a leitura faz com que após a compra do livro, a leitura dele se torne uma opção distante e o livro, apenas um item decorativo. Isso acarreta na falta de leitura na vida dos jovens brasileiros.

Já a Luana de Mello, de 37 anos, não lê um livro desde a época da escola quando tinha os seus 17 anos, “Provavelmente, o último livro que li inteiro foi algum clássico”, afirma ela. Cabelereira, ela possui seu próprio salão de beleza. “O grande problema foi que em vez de me motivar, aconteceu o contrário. Tinha a obrigação de ler livros antigos, que não me interessavam em nada. Mas vejo que vocês recebem mais liberdade nessa escolha, têm acesso aos livros muito mais do que a gente tinha. Com a internet, pode pegar qualquer livro a qualquer instante e de qualquer gênero.” Os estudos da Snel mostram com seus números uma realidade brasileira: há famílias inteiras que ninguém têm o hábito de leitura.

Entrada do sebo Passagem literária, na Rua Consolação. Escadaria cheio de posters e grafite, sobre leitura.
Entrada do Sebo “Passagem literária” na Rua Consolação. Foto: Giullia Morato/ Agenzia

Quando alguém abre um livro precisa estar disposto a se aventurar naquelas palavras, não sentir hesitação ou preguiça. Isso, afinal, apresenta como um país igual ao Brasil pode mudar um hábito tão antigo, mas que nunca foi comum entre a maioria.  Luana cita que ao longo dos anos até tentou ler livros do gênero espirita, que são de seu interesse, mesmo assim nunca conseguiu ler um até o final. Ela e Maria Eduarda representam esse quadro geral do Brasil. Com o trabalho, ocupações e estudos do dia o dia, as pessoas preferem ocupar a mente com as redes sociais e a televisão. “Depois de um dia cheio no salão, se eu pegar um livro para ler, eu vou dormir”, afirma Luana.

Influência do digital na leitura

As redes sociais estão repletas de conteúdos de fácil consumo. Já o processo da leitura é mais difícil porque faz o leitor refletir e criticar o que leu. Assim, com a informação a um segundo na sua mão, é mais confortável usar a tecnologia como escape. Nas últimas décadas, os adolescentes se tornaram os usuários mais assíduos da internet, desenvolvendo o que agora é chamado de IA, de internet addiction (vício da internet, em livre tradução).

O artigo publicado pela revista Plos “Functional connectivity changes in the brain of adolescents with internet addiction”, realizada por duas cientistas da University College London (UCL) estuda o que acontece com os adolescentes que possuem dependência da internet. Em síntese, o estudo indica que é possível observar que estão acontecendo alterações no cérebro, que influi na concentração e interpretação. A leitura e o estudo são as maiores vítimas da influência da tecnologia, e que futuramente vão ser uma grande carência na vida desses jovens.

Isso ocorre porque, no desenvolvimento do cérebro humano, o período da adolescência é um momento vulnerável com diversas mudanças acontecendo. Para suportar essas mudanças, o cérebro é moldável, tornando os vulneráveis a ser influenciado mais facilmente.

Imagem de uma livraria com diversos livros sobreposto em uma mesa.  A imagem apresenta livros, o que remete a leitura.
Livraria Paisagem no prédio da Gazeta
Foto: Giullia Morato/Agenzia

Outra questão correlata da tecnologia impactando Durante esse século, o Brasil desenvolveu e diminuiu os índices de analfabetismo. Mas a falta de valorização da educação e da literatura, aliada a práticas pedagógicas limitadas, resultou em estudantes desinteressados e uma cultura literária fraca. Cooperando na falta de leitura na vida dos jovens brasileiros, é a facilitação em constituir informações por outros meios. Com o uso da consagrada inteligência artificial (IA também), fica mais fácil da leitura ser substituída por resumos. “Eu pegava o nome dos livros, o nome do autor e, sim, colocava no ChatGPT, para mandar fazer resumo. Às vezes, eu pedia para ele especificar mais coisas sobre o livro, quem que era o personagem, do que se tratava a história. Eu o mandava especificar tudo que era possível e tudo que era informação do livro”, confessa Beatriz Oliveira de 19 anos, estudante de artes visuais na Universidade Belas Artes.

Esses resumos podem, em alguns casos, fazer com que se desperte um interesse pela tal leitura ou gerar total afastamento do hábito de leitura. “Eu não tinha interesse por aquele tipo de livro, só resumia para fazer a prova e não ficar de recuperação, mas se já me deu alguma vontade de ler inteiro? Nunca”, afirma Beatriz.

História da leitura no Brasil

A literatura chegou ao Brasil com os colonizadores portugueses, em um contexto em que a maioria da população, incluindo indígenas, mulheres e escravizados, era analfabeta. De acordo com o IBGE, os números saíram de 65,3% em 1900 para 13,6% em 2000. No Censo 2010, as taxas de alfabetização e analfabetismo eram de 90,4% e 9,6%. Em 2022, havia, no país, 163 milhões de pessoas de 15 anos ou mais, das quais 151,5 milhões sabiam ler e escrever um bilhete simples e 11,4 milhões não sabiam. Ou seja, a taxa de alfabetização foi 93,0% em 2022 e a taxa de analfabetismo foi 7,0% deste contingente populacional. Isso reflete uma infeliz conclusão.


Gráfico de linha com dados estáticos retirados do IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O eixo X representa a taxa de analfabetismo e de alfabetização e o eixo Y refere-se a porcentagem.  Apesar do crescimento da alfabetização no Brasil, o índice de leitores só cai.
Gráfico de linhas Taxa de alfabetização e taxa de analfabetismo
Estatísticas do IBGE

Durante esse século, o Brasil desenvolveu e diminuiu os índices de analfabetismo. Mas a falta de valorização da educação e da literatura, aliada a práticas pedagógicas limitadas, resultou em estudantes desinteressados e uma cultura literária fraca. Cooperando na falta de leitura na vida dos jovens brasileiros.

Importância da Leitura

Outro grande empecilho que cria esse distanciamento do interesse é a falta de conhecimento de todos os benefícios da leitura. Quando passa os olhos pelas páginas, não é absorvido só o conteúdo lido. Desenvolve a paciência, o vocabulário, a imaginação, erudição, criatividade e a escrita.

A constituição da leitura, e seu incentivo, é visto como características de atividades escolares, segundo o artigo da revista Semana Acadêmica sobre a importância da prática de leitura, o ato de ler traz aos indivíduos ideias para se desenvolverem nas escolas, mas também devem continuar fora.  A leitura, portanto, vai muito além do ambiente escolar, estendendo-se a diferentes contextos sociais nos quais o indivíduo está inserido. Ela é moldada por experiências pessoais, convívio com o outro, referências culturais e o ambiente em que se vive.

Cada pessoa constrói seu próprio entendimento a partir da interação com os textos, o que contribui para o desenvolvimento de uma consciência crítica. A leitura, nesse sentido, deixa de ser apenas um instrumento de aprendizagem formal para se tornar uma ferramenta de transformação pessoal e social. Ela estimula a reflexão, amplia horizontes e favorece a formação de um pensamento mais autônomo. Ao mesmo tempo, desperta no leitor a capacidade de questionar, interpretar e ressignificar o mundo ao seu redor. A prática constante da leitura é, portanto, um caminho para o fortalecimento intelectual, para o enriquecimento interior e para a construção do conhecimento.

Muitos alunos conseguem ler, mas não interpretar, justamente pela falta de incentivo à leitura crítica e cotidiana. Esse cenário evidencia a urgência de repensar as práticas pedagógicas, promovendo a leitura como um ato prazeroso e transformador. A escola deve ser um espaço que incentive o gosto por ler, formando sujeitos capazes de pensar, questionar e produzir conhecimento. A leitura, quando bem trabalhada, contribui para o desenvolvimento intelectual, social e profissional do ser humano, além de ser ferramenta essencial para a formação de cidadãos conscientes e participativos. Auxiliando na falta de leitura na vida dos jovens brasileiros.

e04

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *