A proibição dos celulares causa controvérsias, mas até onde restringir é a melhor solução?
Por: Lucas Vieira, Felipe Souza, João Vitor Lobo, Luis Fernando Bechere e Murillo Tavares

Créditos: João Vitor Lobo/AgenZia
A recente decisão da proibição dos celulares em escolas brasileiras causou um debate nacional que vai além da simples presença de aparelhos eletrônicos em sala de aula. A medida, defendida por especialistas da área da educação e saúde, busca recuperar a concentração nos estudos, o diálogo e o convívio presencial entre os estudantes. Mas, como toda mudança, a nova política enfrenta resistência, principalmente por parte dos alunos. A pergunta que paira é: a proibição, por si só, é suficiente para mudar comportamentos enraizados?
Segundo relatos de professores e gestores, os primeiros efeitos da proibição do celular nas escolas são visivelmente positivos. “Foi a melhor coisa para o ensino que podia acontecer em todos os tempos”, afirma a professora Rita de Cássia Holanda, do Colégio Salesiano Santa Teresinha. Ela observa uma mudança significativa no comportamento dos alunos: mais atenção nas aulas, maior respeito às regras e aumento da socialização entre os estudantes.
Mas alguns alunos apontam uma percepção diferente da nova realidade. Catarina Mayrink, do 1° ano, destaca que a ausência do celular não eliminou as distrações, que agora ocorrem por meio de conversas paralelas ou sonolência. “O celular servia como uma ferramenta de desvio de atenção, e por mais que haja proibição, o desvio permanece, mas com outros focos”, afirma. Essa ambiguidade revela a complexidade da mudança: mesmo com benefícios percebidos, há um período de adaptação e reestruturação da rotina escolar. Agenzia foi investigar os efeitos da proibição dos celulares.

Créditos: João Vitor Lobo/AgenZia
Por que a lei da proibição dos celulares foi criada?
A herança da pandemia
Durante o ensino remoto na pandemia da Covid-19, o uso excessivo de celulares e telas se tornou comum. Essa hiperconectividade causou impactos na saúde mental, no sono e no bem-estar dos estudantes. Especialistas relatam que muitos jovens passaram a associar o celular a uma válvula de escape emocional, o que tornou ainda mais difícil desapegar do aparelho após a volta às aulas presenciais. A nova legislação, nesse sentido, não tem apenas um caráter disciplinar, mas também preventivo e restaurador.
Uso irresponsável da tecnologia
O uso de celulares em sala, mesmo antes da pandemia, já era motivo de preocupação. Estudantes utilizavam os aparelhos para acessar redes sociais, jogos e vídeos, comprometendo o foco durante as aulas. Casos de colas em provas, desinteresse nas atividades e perda do vínculo com o conteúdo escolar tornaram-se frequentes. Nesse contexto, a proibição busca resgatar o papel da escola como espaço de concentração e aprendizado.
Redução da socialização
O coordenador Antônio Carlos Martins da Silva, do Colégio Salesiano Santa Teresinha, afirma: “Antes os alunos ficavam um do lado do outro conversando pelo celular. Agora, conversam, correm, brincam e, de vez em quando, até brigam”.
A frase, dita com leveza, revela algo profundo: os celulares vinham isolando os estudantes até mesmo na presença física. A convivência presencial, apesar de incluir conflitos, é fundamental para o amadurecimento emocional e social.
Benefícios à saúde física e mental
A neuropsicopedagoga Amanda Canhete destaca que o uso exagerado de telas impacta diretamente a região do cérebro responsável pelo autocontrole e atenção — o córtex pré-frontal.
“O uso excessivo afeta diretamente a capacidade de concentração e de manutenção do foco, aumenta a impulsividade e reduz a tolerância à frustração. Tudo isso impacta diretamente a aprendizagem e as relações sociais.” Com menos exposição à luz azul, após a proibição dos celulares, o sono dos estudantes melhora, e os níveis de ansiedade tendem a cair. Episódios de cyberbullying, que frequentemente ocorriam durante o horário escolar, também diminuem. Além disso, dores físicas como as provocadas pelo “pescoço de texto” (text neck) são reduzidas.
A visão da neurociência
Pesquisas do Inep, o órgão de estatísticas do Ministério da Educação (Inep), indicam que mesmo a simples presença do celular na mesa já representa uma distração. Sem sequer ser usado, o aparelho divide a atenção do estudante, o que compromete a fixação do conteúdo. A neurocientista Gislene Naxara e outros especialistas, como Luciano de Castro e Cybele Roncato, reforçam que a cognição, o comportamento e as emoções dos alunos são negativamente afetados pelo uso contínuo da tecnologia.
Amanda Canhete também reforça que, com a proibição dos celulares os alunos passam a interagir mais, desenvolvendo habilidades como empatia e tolerância, consideradas essenciais para uma convivência saudável e respeitosa.
O que pensam os estudantes?
Nem todos os alunos veem a medida com bons olhos. Artur Forneiro, da 2ª série do ensino médio, afirma que o celular, mesmo sem uso constante, atrapalhava sua concentração. “Às vezes eu pegava o celular para ver o horário ou responder uma mensagem, e isso já me desfocava.” Já Beatriz Rastelli da 3° série do ensino médio, ressalta que o excesso de convívio sem pausas digitais também pode ser cansativo. “Realmente a retirada do celular melhora, mas também às vezes dá uma cansada do convívio com as pessoas.”
As opiniões divididas indicam que a adaptação ainda está em curso — e que a geração atual, formada dentro do ambiente digital, está reaprendendo a se relacionar sem intermediários tecnológicos.

Créditos: João Vitor Lobo/AgenZia
O papel das famílias na adaptação
Embora a escola seja o espaço onde a proibição dos celulares se materializa, o sucesso da medida depende fortemente do apoio e da atuação das famílias. Pais e responsáveis exercem um papel crucial na formação de hábitos saudáveis e no estímulo ao uso consciente da tecnologia.
A psicopedagoga Cybele Roncato destaca que “o uso equilibrado de celulares deve começar em casa, com limites claros e coerentes que dialoguem com o que a escola propõe”.
Quando há contradições entre o que é permitido no ambiente doméstico e o que é exigido na escola, os estudantes tendem a desvalorizar as regras escolares. Além disso, muitas famílias enfrentam o desafio de substituir o celular por outras formas de entretenimento, convívio e aprendizado fora da escola. A transição exige diálogo, paciência e exemplo.
“Não adianta exigir que a criança largue o celular se os adultos estão o tempo inteiro com os olhos na tela durante o jantar”, completa Cybele Roncato.
Famílias também são importantes aliadas na mediação emocional dos filhos durante o processo de adaptação. A retirada de um hábito pode gerar ansiedade, irritação e resistência, especialmente entre os adolescentes. Por isso, o acolhimento e a escuta ativa dos pais são fundamentais para ajudar os jovens a compreenderem os motivos da mudança. Outro ponto de atenção é o papel da supervisão. Com o tempo que os filhos deixam de passar no celular, é importante que os pais estejam presentes para oferecer alternativas, propor atividades e incentivar o contato com outras formas de lazer e aprendizado, como esportes, leitura e jogos de tabuleiro.
Portanto, a transformação cultural proposta pela proibição dos celulares nas escolas só será efetiva se contar com o envolvimento da comunidade escolar como um todo — especialmente das famílias, que são o primeiro e mais duradouro ambiente de educação dos jovens.
A realidade das escolas públicas
A professora Mariângela do Nascimento, com mais de 20 anos de atuação na rede municipal de São Paulo, alerta para uma realidade mais complexa. “Não podemos ignorar a necessidade do celular na rotina dos alunos, mas é fundamental estabelecer limites e supervisão familiar.”
Ela defende que o uso pedagógico, com regras claras, pode enriquecer o processo de ensino. Ferramentas como câmeras, gravadores e acesso à internet podem ser grandes aliadas em atividades como documentários escolares, podcasts educativos e pesquisas guiadas. Ainda assim, a aplicação da proibição nas escolas públicas apresenta desafios específicos. Em muitos casos, o celular é o principal ou único recurso digital dos alunos, servindo não apenas para distrações, mas como uma extensão do processo de aprendizagem. Além disso, ele também cumpre uma função prática: é com o celular que muitos estudantes registram o conteúdo da aula, organizam suas tarefas e se comunicam com a família, especialmente em contextos de vulnerabilidade.
Diante disso, educadores da rede pública defendem que o foco esteja na mediação do uso, e não apenas na proibição. O desafio, nesses contextos, não é simplesmente tirar o celular das mãos dos alunos, mas oferecer alternativas viáveis, formação para o uso responsável e escuta ativa das realidades vividas por cada comunidade escolar.
Somente esta medida é suficiente?
A proibição de celulares, por si só, não resolverá todos os problemas da educação brasileira — mas pode representar um ponto de partida. A escola precisa resgatar sua função social e intelectual, e isso passa por uma reflexão sobre como equilibrar tradição e inovação. O desafio não é apenas tirar o celular das mãos dos alunos, mas colocar algo significativo em seu lugar: o interesse pelo conhecimento, a escuta ativa, o respeito ao outro.
A proibição do uso de celulares nas escolas brasileiras marca um ponto de inflexão no debate sobre educação e tecnologia. Ainda que haja resistência de parte dos alunos e mesmo de alguns profissionais da educação, os primeiros resultados apontam para um ambiente mais saudável, mais integrado e mais propício ao aprendizado.
Mais do que afastar os estudantes da tecnologia, a proposta deve incentivar o uso consciente, estratégico e crítico dos recursos digitais. Afinal, o futuro exige uma geração capaz de lidar com a tecnologia — mas também de olhar nos olhos, ouvir com atenção e viver o presente.
A discussão sobre o uso de celulares nas escolas está longe de terminar. Mais do que uma medida pontual, a proibição levanta uma questão essencial: que tipo de educação queremos para o futuro? Uma educação que forma cidadãos atentos, críticos e empáticos exige mais do que a ausência de distrações — exige presença, escuta e conexão humana. Seja com tecnologia ou sem o desafio continua sendo tornar a escola um espaço significativo e transformador para cada estudante.