Em meio à frustração com a política tradicional, jovens têm recorrido às redes sociais e à educação como meios para transformar o cenário eleitoral e redefinir a participação democrática no Brasil
Por Ana Luiza Martins, Júlia Pussateli, Marcelle Paschke e Mathilda Romani
“Me sinto desacreditado da política. Não acho que exista outra via efetivamente renovadora ou transformadora, o que vemos desde o fim da ditadura é a conformidade”, desabafa o estudante Gustavo Gonçalves. Em meio a transformações sociais, tecnológicas e diplomáticas, a geração Z surge como um influente ator no debate público brasileiro atual. Essa geração, marcada por uma forte descrença nos políticos, demonstra urgência de mudanças efetivas.
Jovens nascidos entre 1997 e 2012 ganham cada vez mais força nas urnas. Segundo pesquisa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) realizada em 2025, houve um aumento de 78% no número de adolescentes de 16 a 18 anos que tiraram o título eleitoral entre 2020 e 2024. Esse dado reflete uma nova mudança de engajamento no panorama eleitoral brasileiro.
Diferente dos mais velhos, a Gen Z constrói sua visão política em meio a um ambiente dominado por plataformas digitais, que influenciam a forma como se informam, participam e contribuem com o debate público. Para essas pessoas, o mundo controlado pelas redes sociais possibilita maior alcance informacional, mas também incorpora pensamentos unilaterais, gerando uma cadeia de disputas ideológicas que impactam a perspectiva eleitoral.
Como a geração Z pode mudar o cenário político?

O crescimento da busca pelo título eleitoral contrasta com um pensamento pessimista democrático em eleições passadas. Esse dado foi apresentado pela pesquisa da Open Society Foundations e do Instituto Big Data, indicando que jovens de 18 a 24 anos não consideravam o regime democrático como a melhor forma de governo. Eles demonstravam estar desacreditados da democracia e apresentavam visões cada vez mais polarizadas.
Os pós-millennials misturam idealismo e pragmatismo com pensamentos singulares, distinguindo-os das gerações anteriores. Segundo o psicólogo especialista em comportamentos geracionais André Machado, esse grupo tem um foco maior com preocupações sobre o futuro, sonhando com a realização pessoal e justiça social, porém optando por engajamentos seletivos em causas em vez de revoluções radicais. “A polarização política atual não só corrói o bem-estar mental, mas também catalisa o comportamento político, social mais proativo e coletivo, transformando o medo em combustível para o ativismo digital e offline”, explica André.
De acordo com Cláudio Penteado, doutor em ciências sociais da Universidade Federal do ABC (Ufabc), as eleições municipais de 2024 demonstraram um impacto ambivalente, com candidatos adotando estratégias radicais que ressoam em jovens radicalizados, que cresceram em meio ao caos político brasileiro e que hoje não confiam mais no sistema. Essa dinâmica apontada por Penteado deve remodelar a política brasileira, em que os candidatos terão que equilibrar linguagem digital e autenticidade para conquistar e engajar a nova geração.
Para o profissional, em 2026 é esperada uma intensificação dessa tendência, com a Gen Z podendo determinar resultados políticos acirrados, forçando uma reconfiguração das estratégias de campanhas, como a entrada política para o mundo digital. O resultado é um novo paradigma em que a política se fragmenta entre o ceticismo institucional e o ativismo digital.
O papel das redes sociais na formação política da Gen Z
A Gen Z representa cerca de 20% da população brasileira. Essa parcela dos brasileiros é caracterizada por ser a primeira geração de “nativos digitais”, ou seja, os que cresceram com o acesso à internet, já que hoje 98% deles se encontram conectados à internet e 56% a acessam diariamente.
Cláudio Penteado afirma que as informações políticas vistas nas redes sociais passam por uma mediação algorítmica das plataformas, representando uma ruptura na maneira como se compreendem as instituições da modernidade, incluindo a democracia liberal. O pesquisador também declara que um dos elementos centrais na comunicação mediada por plataformas digitais são postagens caracterizadas por despertarem emoções nos telespectadores, principalmente a raiva e a indignação.
Em janeiro de 2025, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) postou um vídeo especulando sobre a possível taxação do PIX, criticando o PT e o atual governo Lula. No vídeo, o parlamentar utiliza roupas pretas, com um fundo preto e uma trilha sonora tensa, com o objetivo de despertar os sentimentos de raiva e indignação aos espectadores. A gravação gerou mais de 70 milhões de visualizações apenas no Instagram. Entretanto, o vídeo continha desinformações, o que fez o presidente se manifestar e desmentir os fatos.
“Com um fluxo de dados tão grande como o atual, talvez nem um especialista consiga deixar de cair em notícias falsas ou meias verdades”, diz Gustavo Gonçalves, aluno da Ufabc, ao ser questionado sobre ser influenciado pelas redes sociais. Outro ex-aluno, recém-formado da escola E.E Walker Barbosa, Lucas Zeferino, acrescenta: “A escola deu pouca base, hoje mesmo me sinto mais influenciado pelas redes sociais”.
Radicalização x polarização

A Gen Z chega às eleições de 2026 com chances reais de transformar a política no País, mas enfrenta desafios que mostram como ela lida com o assunto de um jeito próprio. Os jovens cresceram conectados e passam muito tempo nas redes sociais, onde política, memes, ironia e até desinformação se misturam. Isso acaba confundindo polarização, a disputa entre diferentes pontos de vista, com radicalização, quando as discussões viram ódio, negação do diálogo e falta de empatia. O pouco interesse de muitos pela política pode fortalecer ideias extremistas e reduzir a participação de todos.
Mesmo assim, a geração Z demonstra sensibilidade em temas importantes, como meio ambiente, tecnologia e saúde mental. A professora e socióloga Flávia Rios lembra que “a nova geração tem bastante sensibilidade para temas novos (…) e é importante que pautem esses assuntos na esfera pública, mostrando também projetos e ações concretas que ajudem a encarar esses problemas de frente”. O desafio é transformar essa consciência em realizações na política que realmente façam diferença nas decisões e nos partidos.
Como Rios destaca, “a polarização não é a melhor opção. Ela apenas produz ódio e ressentimento”. Por isso, é fundamental que os jovens busquem informações confiáveis e aprendam a ouvir diferentes pontos de vista. Se conseguirem usar seu tempo e energia online para se engajar de verdade, será possível reduzir os excessos da radicalização. Assim, poderão criar um método de fazer política de forma mais crítica, participativa e menos refém dos extremos.
Educação como vetor político
A diferença entre uma educação meramente conteudista e uma educação voltada para a formação cidadã tem gerado impactos na forma como a Gen Z se posiciona e engaja politicamente. Essa geração demonstra preocupação com pautas sociais e econômicas, mas sua capacidade de transformar tais interesses em ações concretas depende fortemente de sua formação acadêmica.
Essa distinção se torna mais relevante quando se observa o contraste entre as escolas de ensino público e privado do Brasil, como é possível perceber no discurso de Lucas Zeferino: “Minha escola não incentivava o debate público, o assunto aparecia apenas em algumas aulas de história, mas sem espaço para troca de opiniões”. Já Gustavo Gonçalves, vindo de uma escola privada, relata: “A escola onde estudei incentivava o debate público por meio de debates em sala de aula e em simulações da ONU”.
O estudo “Qualidade de educação, democracia e a formação para a cidadania” mostra que, embora a formação cidadã seja prevista no Plano Nacional de Educação (PNE), ainda há a ausência de indicadores de como essa formação é promovida nas escolas. E sugere que a cidadania é tratada como um tema periférico, o que enfraquece a construção de uma consciência democrática. “É fundamental que essa geração influencie as decisões e os rumos do País, o que só será possível se houver uma educação que promova diálogos, análise crítica e participação ativa”, diz a socióloga Flávia Rios.
Prós e contras para a democracia

O envolvimento da Gen Z na política traz uma grande energia ao cenário, com as redes sociais possibilitando a qualquer jovem a interação com diferentes pontos de vista e vidas, fazendo com que a geração se mostre mais crítica nas ações governamentais. Esse envolvimento tem revitalizado o debate público e pressionado as instituições a se ajustarem às novas formas de participação cidadã.
Uma pesquisa conduzida pela Universidade Federal Fluminense (UFF) revelou que aproximadamente 79% dos brasileiros querem ter uma participação política ativa. Mas os dados do TSE mostram que, entre 2014 a 2024, a adesão de jovens de 16 a 24 anos a partidos políticos sofreu uma queda de 57%. Essas tendências refletem um contraste de que enquanto alguns querem ter um papel ativo no eleitorado brasileiro, ainda falta o chamado do público para esse engajamento.
O ativismo digital traz consigo desafios à democracia, como é apontado pela pesquisa do Latinobarômetro realizada em 2023, em que jovens latinos estão reduzindo seu apoio à democracia e aumentando a aceitação de regimes autoritários. Esse fenômeno ocorre em sua maioria pela desilusão política gerada por governos anteriores e atuais que impactam diretamente os pensamentos e ações de jovens da geração Z.
O legado para a geração alpha
A geração Alpha, os pós-Gen Z, é considerada a primeira que nasceu e cresceu imersa na internet e em tecnologias integradas no seu cotidiano. Para quem nasceu depois de 2012, tudo gira em torno das telas. Essa conexão constante molda o desenvolvimento e o ambiente onde crescem.
YouTube, Instagram e TikTok são algumas das várias plataformas utilizadas pela nova geração para a coleta de informações políticas. A geração Z, vinda antes da alpha, utiliza essas mesmas plataformas para espalhar esses dados por meio de vídeos curtos, memes e humor.
Uma pesquisa do TSE de 2024 mostra que o número de eleitores jovens de 16 a 17 anos no Brasil voltou a crescer, com um aumento de 14,22% em relação ao último pleito municipal. Outro estudo do site desinformante, plataforma que combate a desinformação, mostra que 45% dos brasileiros se manifestam nas redes sociais, e que 53% deles dizem seguir influenciadores que se manifestem sobre política. Esses dados refletem no crescimento de jovens da Gen Z interessados por política e que buscam deixar seus legados para as novas gerações que estão por vir.
“É importante notar que a participação não é só na hora das eleições. É preciso fiscalizar o que seu candidato realiza ao longo do mandato. Esse controle do cidadão ajudará a garantir um legado democrático para as gerações futuras”, diz Flávia Rios.
Este conteúdo utilizou Inteligência Artificial nas seguintes etapas:
- Apuração: utilizada para auxiliar na apuração
- Checagem: utilizada para auxiliar na checagem
IAs utilizadas: ChatGPT